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sábado, 23 de outubro de 2010

Busque Amor novas artes, novo engenho - Camões


Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
vede que perigosas seguranças:
que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar perdido o lenho

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não de vê;

que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como e dói não sei por quê.

Vocabulário
Esquivanças: desdéns, desprezos, recusas.
Novo engenho: nova artimanha.
Conquanto: se bem que, ainda que.
Lenho: embarcação (metonímia representada pela substituição da coisa pela matéria de que esta é feita).


A obra camoniana costuma ser valorizada primeiramente por sua realização épica, Os Lusíadas, que são de fato uma obra-prima: a maior epopeia dos tempos modernos. Mas Camões não foi apenas um grande épico: foi também um dos maiores poetas líricos de todos os tempos. Há nos seus poemas de amor duas tendências diversas: uma vem de tradição popular, folclórica, e por isso é chamada ´´medida velha``; outra vem da Itália renascentista e clássica, trazida primeiramente por Sá de Miranda – é a ´´medida nova``.

A medida velha – vale a pena conferir, aqui no blog, ´´As redondilhas de Camões`` – é construída de redondilhos (versos de 5 ou 7 sílabas) e lembra os melhores momentos do Cancioneiro geral de Garcia de Rezende. É a poesia singela, de amores transitórios e de belíssimas fulgurações femininas, especialmente aquelas que definem a moça do povo, a graça feminina tipicamente ibérica e rural. A sintaxe é às vezes elementar, às vezes puxa um pouco para o modo clássico. A medida velha provém de uma tradição que começou com o trovadorismo, principalmente o das cantigas de amigo.

Os poemas líricos camonianos escritos em medida nova apresentam as inovações de forma e conteúdo introduzidas pelos poetas ligados ao humanismo italiano no século XIV, sobretudo a partir da influência de Petrarca. O verso empregado é o decassílabo; os tipos de composição preferidos são o soneto, as éclogas, as odes, as oitavas e as elegias. Camões alcançou maior sucesso no soneto, motivo pelo qual é apontado como um dos três maiores sonetistas da literatura portuguesa, ao lado de Bocage (séc. XVIII) e de Antero de Quental (séc., XIX).

A principal parte da obra lírica de Camões é desenvolvida em sintonia com sua época, com os modelos de forma e de conteúdo do Renascimento. Embora Camões seja, essencialmente, um autor do Classicismo (século XVI), em seus sonetos, notam-se certos traços maneiristas (visíveis em, por exemplo, antíteses e paradoxos), que prenunciam a estética barroca.

Comentários sobre o poema

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O soneto foi uma das formas poéticas mais exploradas na Era Clássica, já que, pela própria natureza dissertativa, facilita a reflexão e a exposição de ideias em textos predominantemente conceituais e lógicos. Obedecendo a este preceito, Camões nos apresenta esta composição de forma fixa, composta por 14 versos (decassílabos heróicos), divididos em 2 estrofes de 4 versos (quartetos) e 2 estrofes de três versos (terceto). O posicionamento das rimas é regular: abba/abba/cde/cde.

O eu lírico chega a uma paradoxal definição do amor através de uma dialética: de um lado, ´´desafia`` o amor a novamente fazê-lo sofrer, o que demonstra a sua experiência, a sua vivência. De outro, entretanto, esta vivência, esta experiência são ameaçadas por um mistério transcendente aos seres humanos: ´´um mal, que mata`` e não se vê``(força estranha e maléfica, invisível e inevitável).

Assim, na 1.ª estrofe, o ´´Amor`` aparece no soneto como uma entidade abstrata e independente. O eu lírico nos expõe um raciocínio sobre ele (este personificado; com A maiúsculo, para indiciá-lo como um ser superior: Cupido ou Eros). É um verdadeiro desafio ao Amor a buscar novas artes e engenhos para matá-lo.Veja que o texto é cheio de argumentações: o que inicial dos versos 3 e 4 equivale a uma conjunção causal ou explicativa (pois, visto que, porque). Perceba: não há uma indiferença em relação ao Amor, mas aos efeitos, ou melhor, aos sofrimentos que o Amor manda inutilmente ao eu lírico, para tirar-lhe esperanças que, afinal, ele não mais possui.

Na 2.ª estrofe, o eu lírico não teme ´´contrastes nem mudanças`` porque já leva uma vida perigosa e agitada. Castigado tão variamente, já não teme as más novidades, pois, naufrago do amor (´´andando em bravo mar perdido o lenho``), que mais pode temer? Concluindo, podemos observar que o soneto desenvolve um raciocínio completo: O eu lírico apresenta um tese: está imune a novas investidas do Amor porque já chegou ao limite do sofrimento (verso 1 ao verso 8).

Esta convicção, contudo, vai ser dialeticamente quebrada na 3.ª estrofe (com a introdução da conjunção adversativa ´´mas``), pelo súbito reconhecimento de que há dias em que a dor de amar se põe tão estranha e aguda, que a consciência não consegue nem mesmo acompanhar o percurso do ´´sofrer``, e por isso, a certeza que demonstra no começo transforma-se, ao fim, numa impressão de desespero (rende-se aos inexplicáveis mistérios do Amor). O eu lírico constata que sua tese é incorreta: apesar do grau extremo de seu sofrimento, o Amor ainda o faz passar por dissabores (verso 9 ao verso 11).

Na 4.ª estrofe, o eu lírico apresenta o Amor impedindo qualquer explicação lógica (não sei... não sei... não sei...). É o amor como sofrimento, ou sofrer amando. Um amor que ele aceita e possivelmente reconhece (´´que dias há que na alma me tem posto``), mas que ignora de onde nasce, de onde vem e que ´´dói não sei porquê``(ressalta a dúvida e a total falta de controle). O eu lírico explica e sintetiza a aparente contradição entre a tese e a antítese. Isto ocorre devido ao caráter indefinido e vago do Amor (versos 12 ao verso 14).

Do soneto apresentado se depreende uma verdadeira ´´Gramática filosófica-amorosa `´de Camões (uma dialética que trabalha à oposição entre razão e sentimento). O pré-Barroquismo se desenvolve (segue a lógica aristotélica) no processo de tese (1.º e 2.ª estrofes), antítese (3.ªestrofe) e síntese (4.ª e última estrofe).

6 comentários:

  1. Trabalho fantástico... O meu 6º programa Dizer Poesia é exactamente sobre Camões com as duas primeiras estrofes do I canto dos Lusíadas e os sonetos: Amor é fogo que arde sem se ver e Mudam-se os tempos mudam-se as vontades.
    Esse programa pode ser ouvido no meu blog:
    Nova Pangeia de Letras - http://novapangeia.blogspot.com
    e também no meu outro blog:
    Entre Outras Coisas -
    http://ibentreoutrascoisas.blogspot.com

    Um abraço,

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  2. Confesso, Nelson, não tenho cultura literária para um comentário mais abrangente.
    Mas sinto o eu lírico do poeta , a amor e seus dissabores, que vem de onde não sei e dói, porque sei, impossível.
    Tomara que o encantamento lhe inspire a escrever muito! Regina Gaiotto - Tietê/SP

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  3. I am always so very impressed by your writing and with your vast knowledge. Thank you dear Nelson.

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