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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Amor de perdição - Camilo Castelo Branco

Amor de perdição é a mais famosa novela passional de Camilo Castelo Branco. Embora tenha relacionado a história à vida atribulada de um parente (seu tio Simão Botelho), Camilo incorporou à obra muito de suas próprias experiências na prisão(escrita na Cadeia da Relação do Porto) e de seu relacionamento proibido com Ana Plácido, mulher casada.

Nascido em Lisboa, casa-se aos 16 anos com uma aldeã de 15, mas logo deixa esposa e filha e vai para o Porto, estudar na Escola Médica e Acadêmica Politécnica, que abandonara mais tarde. É no Porto que toma contato com a vida citadina e as atividades artísticas e literárias(uma trajetória atormentada e boêmia, que muitas vezes serviu de inspiração para seus enredos sentimentais). Foge com Ana Plácida, mulher casada com um rico comerciante brasileiro. Por crime de adultério, os amantes são presos. Neste ínterim, publica “Amor de perdição”(1862). Finalmente absolvido, liga-se definitivamente a Ana Plácido e com ela se casa após a morte do marido. A partir daí dedica-se a escrever livros como forma de sobreviver.

Camilo Castelo Branco foi um escritor de enorme produção. Sua obra inclui poemas, peças teatrais, cartas, textos jornalísticos, exemplos de historiografia e crítica literária e, principalmente, novelas e romances. Essa produtividade se explica pelo fato de Camilo dedicar-se exclusivamente ao ofício de escritor (produzindo ora de acordo com uma inspiração e autenticidades particulares, ora apenas seguindo a moda dominante), daí obtendo toda a sua renda. Torna-se o escritor mais lido em Portugal.

Apesar disso, desgostos na família (dificuldades financeiras, a loucura de um filho) e a ameaça de cegueira irreversível ( em conseqüência da sífilis, que adquirira na juventude) levam-no cada vez mais ao desespero. Sem possibilidade de cura, suicida-se. Perceba que essa “história” não é um enredo de nenhum romance romântico, mas a síntese da biografia de Camilo Castelo Branco (1825 – 1890), um dos mais fecundos escritores da literatura portuguesa.

As novelas de Camilo Castelo Branco incluem temas históricos, aventuras, mistérios, sátiras e paixões. Essa variedade gerava grande interesse no público, já acostumado à tradução dos folhetins franceses e ingleses receptivos ao Romantismo, graças à produção de Almeida Garrett e Alexandre Herculano. A obra de Camilo corresponde à segunda etapa do movimento em Portugal.

Em linhas gerais, a novela (do italiano novella, ou seja, pequenas histórias, como as de Boccaccio em Decameron) é a representação de um acontecimento, sem a amplidão do romance no tratamento das personagens e do enredo. Como característica, apresenta o condensamento da ação, do tempo e do espaço, bem como um ritmo apressado no desenvolvimento da sua intriga. A história é linearmente contada, as descrições são rápidas, não há praticamente análise psicológica de personagens.

Escrita em terceira pessoa, esta obra caracteriza-se por um narrador onisciente, isto é, um narrador que desvenda o universo interior dos personagens. Dividida em vinte capítulos, mais a introdução e a conclusão, Amor de perdição segue uma sucessão temporal rigidamente cronológica. A síntese das principais ações mostra a presença de ingredientes romanescos de que Camilo invariavelmente se utiliza, em suas novelas passionais: o amor irrealizado e alimentado à distância, a proibição da sociedade à realização do sentimento amoroso e o final trágico dos protagonistas.

“Amor de perdição” narra as desventuras de amor relacionadas a dois jovens de famílias inimigas(à moda Romeu e Julieta, de Shakespeare), que fazem da separação de ambos uma questão de honra ( as questões de honra, aliás, podem ser consideradas como um dos principais motivos do romance camiliano). O episódio mais representativo ocorre no seu desfecho, quando o tema da “morte por amor” atinge o seu clímax.

O drama desenvolve-se em Viseu. Simão Botelho, jovem impetuoso, apaixona-se pela vizinha Tereza de Albuquerque, de 15 anos. Depois de todos os obstáculos sucessivamente colocados à realização amorosa dos apaixonados, a solução em seu favor vai se tornando impossível. O pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, deseja casar a filha com um primo, Baltazar Coutinho, recusado por ela. A partir deste momento, Teresa é ameaçada de ir para um convento. Ela mantém-se fiel a Simão, que fora estudar em Coimbra.

Enfurecido com as investidas de Baltazar, Simão retorna a Viseu . Na tentativa de rever Teresa, através de um encontro noturno, Simão tem de matar dois criados de Baltazar para não morrer. Sai, porém, ferido. Refugia-se na casa de um ferreiro (João da Cruz), cuja filha Mariana, ao cuidar do ferimento, é tomada de forte paixão.

Com a insistência de Teresa em se negar ao casamento e a obedecer às ordens de seu pai, acaba senso enviada para um convento local. A partir daí, os namorados se comunicam por cartas, na maior parte das vezes levadas e trazidas por uma mendiga, que consegue passar despercebida durante quase todo o tempo. As cartas trocadas pelos amantes são importantes para a compreensão da trama. Contribuem para a consolidação da atmosfera emocional da novela.

Simão não desiste de sua amada e decide resgatá-la do convento. Essa tentativa coincide com o momento em que lá também estão o pai dela e Baltazar. Interpõe-se, aí, o obstáculo definitivo aos amores do par desventurado; Simão e Baltazar discutem, agridem-se. Simão, disparando contra Baltazar, fere-o mortalmente, à vista de Teresa, e entrega-se à justiça, sem nenhuma decisão de atenuar o crime. Preso na cadeia da Relação da cidade do Porto, Simão passa os dias em desespero, tendo ao lado a fiel companhia de Mariana. Condenado à morte, seu pai, o magistrado José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, obtém comutação da pena para dez anos de degredo na Índia.

Simão vai sendo consumido pouco a pouco pelo sofrimento. O mesmo acontece com Teresa, já em outro convento, em Mochique, dirigido por uma parenta que lhe dá os últimos lenitivos. A história termina com a morte de Teresa, quando ela vê, das grades do convento, partir o navio que levará o seu amado ao exílio. No navio, acompanhado por Mariana, Simão sabe da morte de Tereza, através do capitão. Mais tarde, morre delirando, vítima de uma febre repentina. Seu corpo é atirado ao mar, junto com as cartas de Tereza. No decorrer de inúmeras peripécias, há também o suicídio de Mariana, amiga e dedicada companheira de Simão em todas as desgraças. Amando-o silenciosamente durante todo o tempo, lança-se às águas para morrer abraçada com o amado.

É verdade que Amor de perdição, ao chegar a seu clímax, tinge-se de um certo exagero. Mas o exagero que se reveste o romance passional não é uma invenção nem de Camilo, nem do Romantismo. Ele já era cultuado muitos séculos antes, no teatro clássico dos gregos, sobretudo em Eurípides.

Fragmento ( Conclusão )
Ao romper da manhã apagara-se a lâmpada. Mariana saíra a pedir luz, e ouvira um gemido estertoroso. Voltando às escuras, com os braços estendidos para tatear a face do agonizante, encontrou a mão convulsa, que lhe apertou uma das suas, e relaxou de súbito a pressão dos dedos.
Entrou o comandante com uma lâmpada, e aproximou-lha da respiração, que não embaciou levemente o vidro.
— Está morto! — disse ele.
Mariana curvou-se sobre o cadáver, e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo. Ajoelhou depois ao pé do beliche com as mãos erguidas, e não orava nem chorava.
Algumas horas volvidas, o comandante disse a Mariana:
— Agora é tempo de dar sepultura ao nosso venturoso amigo... É ventura morrer quando se vem a este mundo com tal estrela. Passe a senhora Mariana ali para a câmara que vai ser levado daqui o defunto.
Mariana tirou o maço das cartas debaixo do travesseiro, e foi a uma caixa buscar os papéis de Simão. Atou o rolo no avental, que ele tinha daquelas lágrimas dela, choradas no dia da sua demência, e cingiu o embrulho à cintura.
Foi o cadáver envolto num lençol, e transportado ao convés.
Mariana seguiu-o.
Do porão da nau foi trazida uma pedra, que um marujo lhe atou às pernas com um pedaço de cabo. O comandante contemplava a cena triste com os olhos úmidos, e os soldados que guarneciam a nau, tão funeral respeito os impressionara, que insensivelmente se descobriram.
Mariana estava, no entanto, encostada ao flanco da nau, e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver, para segurar a pedra na cintura.
Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar.
A voz do comandante desamarraram rapidamente o bote, e saltaram homens para salvar Mariana.
Salvá-la!...
Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. O comandante olhou para o sítio donde Mariana se atirara, e viu, enleado no cordame, o avental, e à flor da água, um rolo de papéis, que os marujos recolheram na lancha. Eram, como sabem, a correspondência de Teresa e Simão.
Da família de Simão Botelho vive ainda, em Vila Real de Trás-os-Montes, a senhora D. Rita Emília da Veiga Castelo Branco, a irmã predileta dele. A última pessoa falecida, há vinte e seis anos, foi Manuel Botelho, pai do autor deste livro.

O texto apresenta algumas características típicas do ultrarromantismo: O sofrimento amoroso que leva à morte (todos são “mártires do amor”); a servidão amorosa, o primeiro beijo de Mariana em Simão...morto, o clima de tragédia. Para um romântico da segunda geração, é impossível viver sem a pessoa amada.

O inusitado triângulo amoroso formado por Simão, Teresa e Mariana, tão docemente dedicada ao amado, que não se importa que ele ame outra, era uma inovação bem ao gosto dos folhetins passionais, em que o amor se encontra fora do alcance da razão.

É interessante notar que temos, em pleno mar, a representação da união de dois casais: Mariana abraçada ao cadáver de Simão; as cartas de Teresa atadas as cartas de Simão, num único rolo.

Por fim, a ideia de morrer por amor era um dos ideais do ultrarromantismo, capaz de emocionar e promover a catarse do leitor, levando-o a admirar a tragédia amorosa e, ao mesmo tempo, respirar aliviado por ela não ter acontecido com ele próprio.