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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O Palácio da Ventura - Antero de Quental

 Sonho que sou um cavaleiro andante. 

Por desertos, por sóis, por noite escura, 
Paladino do amor, busco anelante 
O palácio encantado da Ventura! 

Mas já desmaio, exausto e vacilante, 
Quebrada a espada já, rota a armadura... 
E eis que súbito o avisto, fulgurante 
Na sua pompa e aérea formosura! 

Com grandes golpes bato à porta e brado: 
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... 
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! 

Abrem-se as portas d'ouro com fragor... 
Mas dentro encontro só, cheio de dor, 
Silêncio e escuridão - e nada mais! 


A produção poética de Antero de Quental (1842-1891) apresenta três momentos distintos, intimamente ligados à trajetória de sua vida: 

• as primeiras poesias, anteriores à Questão Coimbrã, que refletem  uma postura ainda romântica;
• os poemas de Odes modernas, que representam um marco em sua obra, inauguram a fase  da poesia revolucionária e dos agitados dias de Coimbrã (no prefácio às Odes, Antero afirma que "A poesia que quiser corresponder ao sentimento mais fundo de seu tempo, hoje, tem forçosamente de ser uma poesia revolucionária.");
• o livro sonetos, o mais completo e revelador de Antero de Quental, que o crítico Antônio Sérgio dividiu em oito ciclos: o primeiro, "da expressão lírica do amor-paixão", reflete o lirismo da juventude do poeta; o segundo , "do apostolado social", retrata a época revolucionária de Coimbrã; o terceiro, "do pensamento pessimista"; o quarto, "do desejo de evasão"; o quinto, "da morte"; o sexto, "do pensamento de Deus"; o sétimo, "da metafísica"; o oitavo, "da voz interior e do amor puro sempiterno". Nos quatro últimos ciclos os temas metafísicos.
Seus sonetos são tecnicamente perfeitos e, na maior parte das vezes, apresentam uma linha de raciocínio marcada pela lógica (motivo pelo qual mereceu o epíteto de poeta-filósofo ou, para alguns, filósofo-poeta).

Transforma-se o amador na cousa amada - Luís de Camões

 Transforma-se o amador na cousa amada,

por virtude do muito imaginar;

não tenho logo mais que desejar,

pois em mim tenho a parte desejada.


Se nela está minha alma transformada,

que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

pois consigo tal alma está liada.


Mas esta linda e pura semidéia,

que, como o acidente em seu sujeito,

assim co’a alma minha se conforma,


Está no pensamento como idéia;

[e] o vivo e puro amor de que sou feito,

como matéria simples busca a forma.


                       CAMÕES, Luís Vaz de. Obra completa.
                       Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p.301

Vocabulário

Liada: unida, ligada.
Semideia: semideusa.

O eu lírico abre o soneto com uma tese que será  a base do raciocínio desenvolvido no texto: se quem ama (amador) alcança uma identificação total com o ser  amado, não pode desejar mais nada, porque já traz consigo tudo o que quer. O processo de transformação é desencadeado pelo "muito imaginar". Trata-se, portanto, de um processo amoroso em que o eu lírico vai perdendo sua identidade e se "moldando" à forma perfeita da amada. 

Na segunda estrofe, a tese é retomada: a transformação da alma (espírito) deve aplacar o desejo do corpo (matéria). Como as dias almas que se amam estão ligadas, o desejo carnal deixa de ser importante.

A mulher amada é caracterizada, nos tercetos, como uma semideusa (linda e pura) cuja perfeição é própria da esfera das essências. Por isso ela se manifesta no pensamento do eu lírico como "ideia" (resgate do conceito platônico) e faz com que ele, inspirado por um amor também puro e transformador, molde-se a essa forma simples e perfeita. É o fim do processo de purificação amorosa que caracteriza o neoplatonismo.

Soneto a Otávio de Faria

Não te vira cantar sem voz, chorar
Sem lágrimas, e lágrimas e estrelas
Desencantar, e mudo recolhê-las
Para lançá-las fulgurando ao mar?

Não te vira no bojo secular
Das praias, desmaiar de êxtase nelas
Ao cansaço viril de percorrê-las
Entre os negros abismos do luar?

Não te vira ferir o indiferente
Para lavar os olhos da impostura
De uma vida que cala e que consente?

Vira-te tudo, amigo! coisa pura
Arrancada da carne intransigente
Pelo trágico amor da criatura.


Publicado em Poemas, sonetos e baladas, trata-se de um soneto em vérsos decassílabos e rimas interpoladas que homenageiam o escritor católico Otávio de Faria, amigo particular so poeta. O poema sugere, através de metáforas ligadas aos elementos da natureza, o comportamento puro do amigo diante da vida e a coerência de suas atitudes.

domingo, 4 de dezembro de 2022

A Uma Mulher - Vinicius de Moraes

 

A Uma Mulher

Vinicius de Moraes

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.

Publicado originalmente em O caminho para a distância, esse poema breve sugere uma ligação forte entre a mulher amada e a morte. Essa aproximação decorre de um momento de forte misticismo por parte do eu lírico, que enxerga na atração física uma ação de pecado. O verso final sugere que a paz só será obtida no momento da morte.




Saiba mais (Soneto de separação)
Saiba mais (Soneto de fidelidade)