Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d' esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Vocabulário
Partem: vão-se embora.
Bem: querida, namorada.
Fora: longe, distante.
Bem: felicidade, ventura.
Doentes: pesarosos, magoados, desgostosos.
Nenhuns: plural de pronome adjetivo, concordando com um substantivo subentendido: seres, homens.
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d' esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Vocabulário
Partem: vão-se embora.
Bem: querida, namorada.
Fora: longe, distante.
Bem: felicidade, ventura.
Doentes: pesarosos, magoados, desgostosos.
Nenhuns: plural de pronome adjetivo, concordando com um substantivo subentendido: seres, homens.
Se todas as transformações no contexto histórico, social e cultural criaram condições para que aos poucos fossem surgindo e se desenvolvendo os gêneros em prosa, é evidente que a poesia também passou por transformações importantes.
As cantigas trovadorescas e os trovadores continuaram a existir até mais ou menos a metade do século XVI. A partir de então, a poesia entra num processo de declínio, chegando quase a desaparecer. Além dos fatores que conhecemos, como o surgimento da imprensa e das primeiras universidades, que mudaram as formas de produção da escrita e, consequentemente, da literatura, há outros fatores responsáveis por esse declínio.
Os novos reis portugueses, D. João I e D. Duarte, de mentalidade, mais austera que seus antecessores (D. Dinis, por exemplo, um grande trovador), e também mais mercantil, deixaram aos poucos de sustentar na corte os trovadores, jograis e soldadeiras. A produção poética passou a ser quase que apenas popular.
Os novos valores impostos pelo crescimento das cidades e pelo fortalecimento dos burgueses (habitantes dos ´´burgos``) estavam mais voltados para o interesse material, como as navegações e a exploração de outras terras, o enriquecimento e o lucro da atividade mercantil. Isso fez com que a produção literária, inclusive a de reis e nobres, fosse direcionada para coisas mais imediatas, como prosa filosófica, moralista, crônicas etc.
Foi só a partir de 1450, um século depois, que novamente se criaram algumas condições para o ressurgimento da poesia: D. Afonso V é amante das letras e promove serões nos quais se dança e se declama poesia. Surge assim a poesia palaciana, que espelha a vida na corte, mas de forma diferente da trovadoresca, pelo fato de ser mais sofisticada, aristocrática, inspirada em modelos espanhóis e italianos e bastante distante dos antigos modelos populares. Cria-se, assim, um novo estilo, que vai se apurando da mesma maneira que o vestuário, o penteado e os gestos.
A característica mais marcante dessa poesia é a separação da dança e do acompanhamento musical. O que importa, portanto, é o texto em si, que se aprimora e enriquece como linguagem artística, abandonando as fórmulas simples (como o paralelismo), experimentando novos recursos formais: rimas, ritmos e metros, figuras de linguagem, ambiguidade e jogos de palavras. Surgem novas formas poéticas, como a redondilha, o vilancete, a esparsa etc.
O conteúdo mostra ainda vestígios do Trovadorismo, porém misturados às novas influências do Renascimento italiano, principalmente do poeta Petrarca. Uma delas é o conflito entre dois tipos de amor: o platônico, que se realiza a distância, sendo a mulher um ser irreal e inatingível (como nas cantigas de amor), e o sensual, que necessita da proximidade carnal.
A poesia palaciana foi compilada pelo poeta Garcia de Rezende, no Cancioneiro geral, em 1516. Não se trata mais de um manuscrito, como os outros cancioneiros, mas de um volume impresso. Isso é um índice significativo do interesse despertado pela poesia nos meios palacianos, uma vez que, nessa época, a tipografia era muito recente em Portugal e reservada a um reduzidíssimo número de obras.
A maior parte dos autores do Cancioneiro geral é de poetas inexpressivos, de pouca inspiração e fraco manejo das formas poéticas. No entanto, alguns se destacam pelo talento e sensibilidade. É o caso de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, João Roiz de Castelo Branco, Sá de Miranda e o próprio Garcia de Resende, entre outros.
Comentários sobre o poema
As cantigas trovadorescas e os trovadores continuaram a existir até mais ou menos a metade do século XVI. A partir de então, a poesia entra num processo de declínio, chegando quase a desaparecer. Além dos fatores que conhecemos, como o surgimento da imprensa e das primeiras universidades, que mudaram as formas de produção da escrita e, consequentemente, da literatura, há outros fatores responsáveis por esse declínio.
Os novos reis portugueses, D. João I e D. Duarte, de mentalidade, mais austera que seus antecessores (D. Dinis, por exemplo, um grande trovador), e também mais mercantil, deixaram aos poucos de sustentar na corte os trovadores, jograis e soldadeiras. A produção poética passou a ser quase que apenas popular.
Os novos valores impostos pelo crescimento das cidades e pelo fortalecimento dos burgueses (habitantes dos ´´burgos``) estavam mais voltados para o interesse material, como as navegações e a exploração de outras terras, o enriquecimento e o lucro da atividade mercantil. Isso fez com que a produção literária, inclusive a de reis e nobres, fosse direcionada para coisas mais imediatas, como prosa filosófica, moralista, crônicas etc.
Foi só a partir de 1450, um século depois, que novamente se criaram algumas condições para o ressurgimento da poesia: D. Afonso V é amante das letras e promove serões nos quais se dança e se declama poesia. Surge assim a poesia palaciana, que espelha a vida na corte, mas de forma diferente da trovadoresca, pelo fato de ser mais sofisticada, aristocrática, inspirada em modelos espanhóis e italianos e bastante distante dos antigos modelos populares. Cria-se, assim, um novo estilo, que vai se apurando da mesma maneira que o vestuário, o penteado e os gestos.
A característica mais marcante dessa poesia é a separação da dança e do acompanhamento musical. O que importa, portanto, é o texto em si, que se aprimora e enriquece como linguagem artística, abandonando as fórmulas simples (como o paralelismo), experimentando novos recursos formais: rimas, ritmos e metros, figuras de linguagem, ambiguidade e jogos de palavras. Surgem novas formas poéticas, como a redondilha, o vilancete, a esparsa etc.
O conteúdo mostra ainda vestígios do Trovadorismo, porém misturados às novas influências do Renascimento italiano, principalmente do poeta Petrarca. Uma delas é o conflito entre dois tipos de amor: o platônico, que se realiza a distância, sendo a mulher um ser irreal e inatingível (como nas cantigas de amor), e o sensual, que necessita da proximidade carnal.
A poesia palaciana foi compilada pelo poeta Garcia de Rezende, no Cancioneiro geral, em 1516. Não se trata mais de um manuscrito, como os outros cancioneiros, mas de um volume impresso. Isso é um índice significativo do interesse despertado pela poesia nos meios palacianos, uma vez que, nessa época, a tipografia era muito recente em Portugal e reservada a um reduzidíssimo número de obras.
A maior parte dos autores do Cancioneiro geral é de poetas inexpressivos, de pouca inspiração e fraco manejo das formas poéticas. No entanto, alguns se destacam pelo talento e sensibilidade. É o caso de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, João Roiz de Castelo Branco, Sá de Miranda e o próprio Garcia de Resende, entre outros.
Comentários sobre o poema
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literaturacomentadablog@gmail.com
Obs: Este Blog não possui patrocinadores. Contribua para mantê-lo atualizado.
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O texto transcrito, Cantiga sua partindo-se, de João Roiz de Castelo Branco, é dos mais belos do Cancioneiro geral. Trata-se de poesia palaciana, aristocrática, que se expressou em versos redondilhos, chamados ´´medida velha`` – forma característica da poética do Humanismo, em Portugal. O poema está disposto em duas estrofes de quatro e nove versos respectivamente. São versos de sete sílabas, chamados heptassílabos ou redondilha maior. Nele há vestígios tanto das cantigas de amigo quanto das cantigas de amor, o que demonstra que a poesia palaciana ainda não tinha se desligado plenamente da herança trovadoresca.
O tema presente no poema é o mesmo das cantigas de amigo: a partida do namorado. Entretanto, há uma diferença fundamental quanto ao eu lírico: ele é masculino. Tal qual nas cantigas de amor, no poema o eu lírico se dirige à ´´Senhora``(vocativo), falando-lhe do seu sofrimento amoroso. Verifica-se, porém, uma mudança quanto a sua postura perante a mulher amada, descaracterizando a relação de vassalagem que existia no Trovadorismo. Repare que o termo ´´senhora`` está sendo usado apenas de forma galante, pois a expressão ´´meu bem`` (outro vocativo) indica proximidade, intimidade do eu lírico com a mulher amada.
Assim, na 1.ª estrofe, o eu lírico tem a amada como interlocutora. Declara a sua dor, em decorrência da separação. Os olhos, ao mesmo tempo que servem ´´para ver`` a mulher amada, servem para manifestar o sofrimento, a tristeza, a saudade. Os olhos personificam o eu lírico (a parte pelo todo: metonímia; apesar de que alguns gramáticos preferem considerar a relação parte/todo como sinédoque). A linguagem é simples, sendo a expressão direta dos sentimentos.
Na 2.ª estrofe, observa-se a glosa de um mote. Trata-se do desenvolvimento de um tema exposto no início. A relação entre os namorados se põe ao nível das realidades concretas; o sentimento transmitido possui uma sinceridade que logo se comunica ao leitor. Percebe-se a presença de um jogo de palavras como em ´´tristes vistes`` e ´´tristes os tristes`` No verso ´´Partem tão tristes os tristes``, o sujeito de partem é os tristes, não havendo qualquer referência explícita aos ´´olhos``(o que provoca ambiguidade). Logo, a expressão ´´os tristes`` tanto pode referir-se aos olhos tristes, já citados na 1.ª estrofe, quanto às pessoas tristes, aquelas que têm de partir, deixando a pessoa amada.
O texto caracteriza-se por uma melodia bem própria ao tema tratado. O poeta trabalha a rima, a métrica e o ritmo. A palavra ´´tão``, repetida na maior parte dos versos, é responsável pela marcação rítmica, em virtude do seu som ser semelhante a uma batida. Outro recurso utilizado é o emprego da aliteração dos fonemas /t/ e /d, como por exemplo, nos versos ´´tão doentes da partida`` / Partem tão tristes os tristes``. O vocabulário simples contrasta com os requintes de sintaxe, ritmo e sonoridade. Nos versos 8 e 9 aparecem duas figuras de estilo, que ajudam a língua a se tornar mais rica: antítese (´´morte / vida``) e hipérbole (´´cem mil vezes``).
A chamada poesia palaciana é feita para ser lida (declamada), e não mais cantada, como eram as cantigas medievais. Ela desenvolveu um grande número de temas, mas sua melhor produção é aquela voltada para o sofrimento amoroso e a súplica, que a aproximam tematicamente da lírica trovadoresca.
O tema presente no poema é o mesmo das cantigas de amigo: a partida do namorado. Entretanto, há uma diferença fundamental quanto ao eu lírico: ele é masculino. Tal qual nas cantigas de amor, no poema o eu lírico se dirige à ´´Senhora``(vocativo), falando-lhe do seu sofrimento amoroso. Verifica-se, porém, uma mudança quanto a sua postura perante a mulher amada, descaracterizando a relação de vassalagem que existia no Trovadorismo. Repare que o termo ´´senhora`` está sendo usado apenas de forma galante, pois a expressão ´´meu bem`` (outro vocativo) indica proximidade, intimidade do eu lírico com a mulher amada.
Assim, na 1.ª estrofe, o eu lírico tem a amada como interlocutora. Declara a sua dor, em decorrência da separação. Os olhos, ao mesmo tempo que servem ´´para ver`` a mulher amada, servem para manifestar o sofrimento, a tristeza, a saudade. Os olhos personificam o eu lírico (a parte pelo todo: metonímia; apesar de que alguns gramáticos preferem considerar a relação parte/todo como sinédoque). A linguagem é simples, sendo a expressão direta dos sentimentos.
Na 2.ª estrofe, observa-se a glosa de um mote. Trata-se do desenvolvimento de um tema exposto no início. A relação entre os namorados se põe ao nível das realidades concretas; o sentimento transmitido possui uma sinceridade que logo se comunica ao leitor. Percebe-se a presença de um jogo de palavras como em ´´tristes vistes`` e ´´tristes os tristes`` No verso ´´Partem tão tristes os tristes``, o sujeito de partem é os tristes, não havendo qualquer referência explícita aos ´´olhos``(o que provoca ambiguidade). Logo, a expressão ´´os tristes`` tanto pode referir-se aos olhos tristes, já citados na 1.ª estrofe, quanto às pessoas tristes, aquelas que têm de partir, deixando a pessoa amada.
O texto caracteriza-se por uma melodia bem própria ao tema tratado. O poeta trabalha a rima, a métrica e o ritmo. A palavra ´´tão``, repetida na maior parte dos versos, é responsável pela marcação rítmica, em virtude do seu som ser semelhante a uma batida. Outro recurso utilizado é o emprego da aliteração dos fonemas /t/ e /d, como por exemplo, nos versos ´´tão doentes da partida`` / Partem tão tristes os tristes``. O vocabulário simples contrasta com os requintes de sintaxe, ritmo e sonoridade. Nos versos 8 e 9 aparecem duas figuras de estilo, que ajudam a língua a se tornar mais rica: antítese (´´morte / vida``) e hipérbole (´´cem mil vezes``).
A chamada poesia palaciana é feita para ser lida (declamada), e não mais cantada, como eram as cantigas medievais. Ela desenvolveu um grande número de temas, mas sua melhor produção é aquela voltada para o sofrimento amoroso e a súplica, que a aproximam tematicamente da lírica trovadoresca.
Achei seu blog muito interessante, de verdade. Amo literatura e pretendo cursar Letras.
ResponderExcluirConteúdo completo, bem explicativo... perfeito!
Vou te seguir :)
Bjinhos
http://literaturaegostosuras.blogspot.com
Também gostei do blog.. bastante!.. Na verdade essa mudançã é nítida.. Infelizmente a poesia não é muito valorizada nos tempos atuais.. eu gosto!!..
ResponderExcluirAdoro literatura portuguesa!!
ResponderExcluirLindo o poema, a saudade de forma tão latente, tão imediata.
Lindo!!
Te sigo.
Gostei de sua explicação literária e suas transformações ao longo da história
ResponderExcluirMuito obrigado por deixar seu comentário no meu blog... Abrazos para usted
florsinnada.blogspot.com
Poema lindo sobre a saudade porque:
ResponderExcluir" A saudade a toda a hora
Não nos mata, mas devora
Todos os nosos sentidos…"
Adorei o Blog, estou estudando para o vestibular, e encontrei aqui todas as respostas para minhas dúvidas sobre o poema(cantiga, partindo-se)
ResponderExcluirADOREI!
adorei sua explicação, toda sua analise sobre o poema. perfeito!
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