Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chamma, que a vida em nós creou,
Se ainda ha vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguel-a ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ancia —
Com que a chamma do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distancia —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
A poesia assinada por Fernando Antônio Nogueira Pessoa “ele mesmo” — ou Fernando Pessoa ortônimo — escrita em língua portuguesa (sua produção poética inicial foi em língua inglesa, compilada sob o título genérico de English poems) deve ser dividida, para fins didáticos, em líricas e saudosista – nacionalista.
A poesia lírica, reunida nos livros Cancioneiro e Quadras ao gosto popular, nos revela um poeta que retorna alguns temas, ritmos e formas tradicionais do lirismo português. Em Cancioneiro, principalmente, temos poesias que apresentam uma reflexão sobre a própria arte poética e sobre o papel desempenhado pelo artista!(“o poeta é um fingidor”), ao lado de poesias que sondam o “eu - profundo” (“novelo embrulhado para o lado de dentro”). E se pudermos afirmar que Alberto Caeiro “pensa” com os sentidos, que Álvaro de Campos “pensa” com a emoção, e que Ricardo Reis “pensa” com a razão, podemos afirmar que Fernando Pessoa “ele – mesmo” “pensa” com a imaginação:
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
A poesia saudosista – nacionalista de Fernando Pessoa tem seu ponto alto no livro Mensagem. Aqui encontramos um Fernando Pessoa identificado com o sentimento nacionalista que tomou conta de Portugal em meio às crises do primeiro período republicano, gerando, aliás, o movimento da Renascença Portuguesa (relembramos que Fernando Pessoa colaborou na revista A Águia, órgão desse movimento). É uma volta ao passado, retomando a formação de Portugal, a identificação com o mar, o período das Grandes Navegações, D. Sebastião e o sonho de um império grande e forte:
“Porque é do portuguez, pae de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orlava desfeita —
O todo, ou o seu nada.”
Repare que Fernando Pessoa utiliza-se de uma grafia que alterna palavras em português moderno com outras em português arcaico.
Comentários
“Prece” é um poema carregado do saudosismo que caracteriza o livro Mensagem. A inevitável comparação entre o Portugal quinhentista das grandes navegações — quando Lisboa era considerada o “grande empório da Europa” e o império luso se estendia por quatro continentes — e o Portugal do início do século XX, mergulhado em profundas crises, gera um clima de melancolia — “a noite”, “a alma vil” e o “silêncio hostil” são as marcas do momento presente.
Mas, como o próprio nome indica, o poema é uma prece, ou seja, uma súplica, um pedido. Uma prece para que Portugal retome o seu lugar na história e se posicione entre os países conquistadores. Nesse ponto, o poema assume um otimismo suplicante mantendo viva a idéia da “chamma” que iluminará o caminho da reconstrução nacional. Fernando Pessoa utiliza brilhantemente a imagem da “mão do vento” como fonte alimentadora do sonho explorando uma duplicidade: “a mão do vento” inflou as velas das naus portuguesas no passado e ergue a chama da esperança no presente.
Chamamos sua atenção para dois recursos expressivos utilizados pelo poeta:
a) a sonoridade do poema, com realce para o verso “Se ainda ha vida ainda não é finda”, em que o poeta trabalhou a vogal aberta «a» combinada à longa vogal nasal «i»;
b) a força expressiva do pronome possessivo nossa que fecha o poema.
Amei essa prece! Coisa linda!
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