Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Vocabulário
Desatina: enlouquece.
Cuidar: julgar.
Lealdade: sinceridade, franqueza, honestidade.
Favor: agrado, simpatia, mercê, graça.
Desatina: enlouquece.
Cuidar: julgar.
Lealdade: sinceridade, franqueza, honestidade.
Favor: agrado, simpatia, mercê, graça.
Camões nasceu provavelmente em Lisboa, em 1524 ou 1525, de uma família de pequena nobreza decaída e pobre. Teve uma educação escolar esmerada, circulou nos ambientes aristocráticos e, ao mesmo tempo, frequentou a desregrada boêmia lisboeta. Preferiu a carreira das armas à das leis; combateu em Marrocos, onde perdeu um olho. Esteve preso por brigas e foi obrigado a embarcar para a Índia, em 1553. Sua estada no Oriente foi tumultuada e cheia de problemas financeiros; de volta a Portugal, em 1569, trazia na bagagem Os Lusíadas, que foi publicado em 1572. Morreu na miséria, em 1580. Além de Os Lusíadas, escreveu muitos sonetos, vilancetes, cantigas, trovas e esparsas; no gênero dramático, produziu três comédias: Anfitriões, El-Rei Seleuco e Filodemo.
Como poeta lírico, Camões também exprime a época em que viveu, um período de profundas transformações. Por isso, seus poemas variam de tom e de assunto, assim como variam de forma: escreve textos breves, espontâneos, soltos, com raízes na tradição popular (as redondilhas – medida velha), ou outros, mais elaborados e engenhosos, nascidos da cultura palaciana do seu tempo, como o soneto (a medida nova).
Este soneto (composição poética de forma fixa) lembra uma célebre crítica que Platão fazia ao ´´rio`` mutante de Heráclito: se uma coisa está sempre mudando, nós não podemos conhecê-la. Tal como o rio de Heráclito, que, por não ter estabilidade e não ser igual a si mesmo, impossibilita o conhecimento, o amor, sendo tão contrário a si, tão complicado, não deveria ser tão imprescindível aos corações humanos.
Comentários sobre o poema
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Obs: Este Blog não possui patrocinadores. Contribua para mantê-lo atualizado.
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Podemos dividi-lo em dois planos, o primeiro, que descreve os efeitos paradoxais do amor no ser humano (três primeiras estrofes), e o segundo (última estrofe), que estabelece perplexidade da pergunta que funciona como conclusão do texto (chave de ouro).
Esse ´´Amor ``de que se fala não é individual, mas universal (observe o uso da letra maiúscula nesse substantivo comum). O poeta usa incansavelmente o verbo ser procurando definir os paradoxos, as contradições que caracterizam esse sentimento, através de uma cadeia anafórica: Amor é fogo, é ferida, é um contentamento, é dor, é um não querer, é solitário, é nunca contentar-se, é um cuidar que se ganha, é querer estar preso, é servir a quem vence, é ter lealdade...
Se por um lado há um esforço de racionalizar, de definir, de explicar, por outro há uma sucessão tão grande quanto esse esforço de falta de lógica, falta de nexo: como o amor pode ser fogo que arde (redundância) e ao mesmo tempo não se vê, ferida que dói (redundância) e ao mesmo tempo não se sente, enfim, como o amor pode ser um contentamento descontente? Observe que, além da linguagem de opostos, há um outro elemento que aumenta os jogos de significados: o texto começa e termina com a palavra Amor, o que sugere que qualquer tentativa de análise do sentimento amoroso conduz sempre ao ponto de partida.
A essência do poema caracteriza-se por uma preocupação constante de racionalizar o que vai além da razão, de explicar o que está além da explicação, de universalizar o que pertence ao coração... Note que a interrogação com que o poema termina é argumentativa, ou seja, mantém o tom polêmico presente em todo o texto, não abre mão de provar racionalmente a irracionalidade do sentimento amoroso.
Quanto à métrica, este soneto filosófico apresenta versos decassílabos (predomínio dos heróicos, nos quais a sexta e a décima sílabas são sempre tônicas), dividido em quatro estrofes, com rimas opostas nos dois quartetos (abba) e rimas alternadas nos dois tercetos (cdc dcd). Cada uma das três primeiras estrofes compreende uma região afetiva particular: o primeiro quarteto fixa-se principalmente nos efeitos corporais da paixão, que exprime sensibilidade e insensibilidade à dor (amor é sofrimento).
Nestes versos, percebe-se que o eu lírico constrói metaforicamente o sentido do Amor-ideia, amor universal, filosofando a respeito do amor, não falando de seus sentimentos pessoais. Para isso, ele se apropria de elementos que, apesar de se excluírem mutuamente, se fundem num mesmo referente, constituindo afirmações aparentemente sem lógica (paradoxos).
O segundo quarteto exprime a dimensão ´´romântica`` e subjetiva do apaixonado e uma espécie de serena autoentrega aos caprichos do amor (amor é desprendimento). O eu lírico parece comprazer-se com o paradoxo, enfeixando sensações contraditórias do sentimento humano, se examinadas sob o prisma da razão. Repete-se, por várias vezes, a forma verbal, com a função de ligar um predicativo a um sujeito (o amor é sempre o sujeito).
O primeiro terceto procura pôr em relevo o drama moral do apaixonado, de acordo com uma dinâmica em que ele vem a optar por aquilo que mais o escraviza: a prisão, a submissão e a morte (amor é doação). É a relação (subentendida) entre duas pessoas. É importante ressaltar que, ao longo do poema, percebemos uma fragmentação de sensações (ver, doer etc.) e de sentimentos relacionados ao amor (um todo é desmembrado em suas partes, para ser conhecido, propondo uma série de afirmações contraditórias).
No último terceto, o poeta substitui o ´´e`` implícito em todas as outras estrofes( indicador de continuidade), por um ´´mas``(conjunção adversativa), indicador de ruptura. Surge, aí, um eu lírico perplexo, que nos mostra, talvez, a maior contradição de todas as que enumerou (amor é paradoxo). Se o amor é tão contrário, a si, tão paradoxal e movediço, como causa amizade nos corações humanos? Como estes corações não conseguem dispensar o seu ´´favor`´, a sua presença? Como as pessoas podem gostar de uma coisa tão contrária a si mesma como o amor? Só quem ama ou amou pode responder, ou juntar suas indagações...
nice blog my friend... :)
ResponderExcluircongratulations from Athens!!!
my gift:
Ηδονή (pleasure)
Χαρά και μύρο της ζωής μου η μνήμη των ωρών
που ηύρα και που κράτηξα την ηδονή ως την ήθελα.
Χαρά και μύρο της ζωής μου εμένα, που αποστράφηκα
την κάθε απόλαυσιν ερώτων της ρουτίνας.
Κωνσταντίνος Π. Καβάφης
Constantine P. Cavafis
A veces el amor no necista más que la amistad, sobre todo cuando duele.
ResponderExcluirBesitos.
Prefiro Bukowski quando diz que "o amor é um caos dos diabos"
ResponderExcluirwww.teoria-do-playmobil.blogspot.com
SE despetalarmos a flor do amor e soprarmos suas pétalas ao vento, ficará no ar apenas o seu perfume...
ResponderExcluir...Contentamento descontente...
"E o vento que sopra nas folhas/ contando as histórias/ que são de ninguém/ mas que são minhas/ e de você também.../Ah, Dindi,/ se soubesses o bem que eu te quero/ o mundo seria Dindi/ lindo Dindi."
Tenho a impressão que Camões e a poesia de Aloysio de Oliveira para a música de Tom Jobim falam do mesmo amor. Dindi não se identifica masculino ou feminino, Dindi é, apenas. Pode até haver uma figura (feminina ou masculina a inspirar o poeta), mas na música não fica claro o gênero do objeto amado.
Dindi seria também Amor-ideia, amor universal, a linguagem contemporânea para um amor de desprendimento?
"Amor é fogo que arde sem se ver" e "Dindi" falam de eus líricos que conhecem a grandeza desse amor paradoxo, contrário a si mesmo?
"Ah, Dindi/ se um dia você for embora/ me leva contigo, Dindi/ Olha Dindi/ Fica..."
Dindi, me leva contigo, Dindi, fica...
"Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é o mesmo Amor?"
Amor individual, mas universal...
Professor Nelson,
Seus comentários nos leva a outras possibilidades de pensar e sentir o amor.
Se apenas lesse o poema, sem os seus comentários, jamais teria me reconduzido a Dindi.
Foi lindo o momento!
Abraços com carinho
O QUE SERIA DE NÓS SERES-HUMANOS.'SE NÃO FOSSE ESTÉ SENTIMENTO CHAMADO DE AMOR.AMAR QUEM TE AMAR.PARA SEMPRE SE AMADO.ASS.VIVIANE CÂMARA.
ResponderExcluirits a nice blog...
ResponderExcluirgood stuff here..
i like it.
-Anjali
http://stuffson.blogspot.com
i like this blog a lot !
ResponderExcluirreally a cool work.
all the best.
-Anjali
http://stoffson.blogspot.com
Hi im visit u r nice blog....
ResponderExcluirGood work, I congratulate you, the blog is very interesting, you must keep on writing!
ResponderExcluirHi Your blog is like a research work.
ResponderExcluirGreat one.
C'est un magnifique et très intéressant blog, où l'on trouve de magnifique poèmes. Bravo
ResponderExcluirnice poetry and info as usual Nelson, thanks :)
ResponderExcluirhappy rally!!!
http://lynnaima.wordpress.com/2011/12/28/souls-paradise/