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terça-feira, 20 de abril de 2010

Análise do soneto: ´´À mesma D. Ângela`` - Gregório de Matos


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Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?


Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.


Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.


Vocabulário

Florente: florescente, brilhante, esplendente.
Uniformar: converter em uma só forma coisas diversas.
Rama: ramos e folhagens de árvores.
Luzente: brilhante.
Idolatrar: adorar, amar cegamente.
Custódio: anjo da guarda, protetor.
Diabólico: funesto, terrível, satânico.
Azar: agouro, infelicidade, desgraça.
Galharda: garbosa, esbelta, elegante
Pesar: desgosto, mágoa, tristeza.
Tentar: provocar, seduzir, instigar para o mal.

James Amado, baseando-se em grande parte no códice de Manuel Pereira Rabelo (primeiro biógrafo – século XVIII), organizou um ciclo dos poemas endereçados a D. Ângela de Sousa Paredes Rabelo, segundo a evolução do relacionamento amoroso, que termina com Gregório sendo rejeitado em favor de outro.

O soneto transcrito (o sétimo poema do ciclo “Ângela”) revela muito do estilo cultista adotado por Gregório em suas composições. Desenvolve-se por meio do jogo de palavras e imagens: “Ângela” = “Angélica” = “Anjo”, “flor” = “florente”. Gregório segue uma tradição explorada por Shakespeare e Camões ao comparar a beleza da mulher à natureza.

Dica

Nesse soneto, nota-se um paradoxo, uma contradição que organiza o poema como um todo: a figura feminina é, ao mesmo tempo, anjo e flor, espírito e matéria. Essa oposição complementar atinge seu ápice no fechamento da última estrofe, em que o eu do poema afirma: "Sois anjo, que me tenta, e não me guarda". O feminino, portanto, eleva-se ao plano celestial, mas conserva em si a tentação como característica fundamental.

Pode-se dizer que a lírica de Gregório de Matos estabelece uma espécie de continuidade em relação à poesia amorosa que tem sua origem em Petrarca e Camões, principalmente no uso da forma soneto e na visão do amor como um sentimento marcado pela idealização da mulher amada. O estilo do poeta baiano traz em si o jogo entre a sensualidade e a espiritualidade reunidas em uma única forma ("Em quem, senão em vós, se uniformara"). Essa tradição da mistura de mulher sagrada e profana, sutil muitas vezes na poesia  de Petrarca e de Camões, chega ao extremo na poesia lírica de Gregório.

Comentários sobre o poema

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O esquema rimático é: ABBA / ABBA / CDC / DCD. Quanto à disposição ou ligação entre os versos, nas quadras: rima interpolada entre o primeiro e o quarto versos (porque entre os dois versos que rimam há mais do que um de rima diferente) e emparelha entre o segundo e o terceiro versos (rimam dois a dois); nos tercetos, a rima é cruzada (porque entre os dois versos que rimam há apenas um de rima diferente).

O tema central é o caráter contraditório dos sentimentos do poeta pela mulher, que é simultaneamente flor (metáfora da beleza) e objeto do desejo, e anjo (metáfora da pureza) e símbolo da elevação espiritual. Podemos, em primeiro lugar, observar o uso dos trocadilhos anjo (ângelus em latim, daí vem Ângela, angélico) / Angélica (do latim Angelicus, pura como um anjo e também o nome de uma flor que inspira sensualidade) na construção imagética do poema: trata-se de uma mulher de nome e feições angelicais, tão bela que se assemelha a uma flor. 

O poeta trabalha com essas duas entidades – flor e anjo – que se irmanam pela beleza, mas que se distanciam pela duração. A flor significa brevidade, enquanto que o anjo é ser eterno. Essa duplicidade emerge do nome da mulher amada, cuja beleza indiscutível lança o poeta em tensão.

Na primeira  e segunda estrofe, por exemplo, o eu lírico começa a esboçar uma imagem de mulher construída a partir de duas palavras, que associa ao seu nome e ao seu rosto: flor (´´Angélica na cara``) e anjo (´´Anjo no nome``). Aqui podemos perceber a presença de uma contradição, já que a mulher amada é anjo (plano espiritual) e flor (plano material): estas duas antíteses (recurso estilístico que busca a unidade entre elementos que se opõem) ao mesmo tempo em que marcam a dualidade, marcam também a tentativa de unificação. Tentativa cuja base é a beleza: beleza que quando associada à flor tende a ser breve, destruída (´´Quem veria uma flor, que a não cortara``), e quando associada a anjo, tende a ser idolatrada, glorificada, eternizada (´´E quem um Anjo vira tão luzente,`` /´´Que por seu Deus, o não idolatrara?``)

No primeiro terceto o eu lírico já pronuncia o paradoxo que ele explicará no final do poema. Como a sua amada representa a figura de um anjo, a quem ele constantemente adora (´´Anjo sois dos meus altares``) o natural seria guardá-lo das tentações, auxiliá-lo, livrá-lo de ´´diabólicos azares``.

A última estrofe começa com a conjunção adversativa ´´Mas`` dando prosseguimento ao raciocínio da estrofe anterior, deixando clara a contradição que há na condição de sua amada. E a dualidade inicial, que antes vacilava entre o metafísico e o botânico, reduz agora seu campo de alcance e se concentra num só ente: o anjo. Mas um anjo dual, que tenta e não guarda. Um anjo que não se identifica, apenas e necessariamente, com o bem.

O toque barroco aparece no jogo de contradições revelado nos dois tercetos: se essa bela mulher é um anjo, como é possível que, em lugar de garantir proteção, cause apenas tentação ao eu lírico? A contradição entre o amar e o querer desemboca no paradoxo dos versos finais: “Sois Anjo que me tenta e não me guarda.”

Assim, o soneto que se inicia com a louvação de uma beleza angelical, encerra-se como advertência contra uma tentação demoníaca. Esse é um bom exemplo do desenvolvimento da lírica amorosa na obra de Gregório, que mantém viva a tensão entre a imagem feminina angelical e a tentação da carne que atormenta o espírito.

3 comentários:

  1. muito boa essa análise, ajudou demais.

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  2. Também gostei bastante da análise, mas achei que as cores das letras e o fundo atrapalham a leitura. =/

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  3. Foi de grande,ajuda!Analise perfeita,pois é simples e muito bem explicada, o que ajuda a qualquer um a entender,,,

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