Graciliano Ramos nasceu
em Quebrângulo (AL), em 1892, e morreu no Rio de Janeiro, em 1953. Filho de
comerciante, passou parte de sua infância em Viçosa e Palmeira dos Índios, em
Alagoas, e Buíque, em Pernambuco. Trabalhando na loja do pai, iniciou-se na
literatura. Não cursou nenhuma faculdade. Aventurou-se no Rio de Janeiro em
1914-15 como revisor do Correio da Manhã e de A Tarde. Voltou para Palmeira dos
Índios, continuando no comércio e dedicando-se ao jornalismo local. Em 1928,
foi eleito prefeito desta mesma cidade, renunciando à Prefeitura em 1930.
Mudou-se, então, para Maceió, onde foi nomeado diretor da Imprensa Oficial.
Teve contato com romancistas famosos como José Lins do Rego, Rachel de Queiroz,
Jorge Amado, Valdemar Cavalcanti.
Depois de muita atividade política e pregação ideológica, foi preso como subversivo, em 1936. Dessa experiência nasceu o contundente Memórias do Cárcere (1953), livro que por sua densidade dramática e retrato percuciente da situação e dos protagonistas, aproxima-se das Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoievski. Em 1945, ingressou no Partido Comunista Brasileiro e viajou para a Europa. Viveu parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde atuou como jornalista e professor. Entre suas principais obras, encontram-se também Caetés (1933); São Bernardo (1934); Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).
A escrita de Graciliano
Ramos é marcada por uma intensa contenção narrativa. Em seus textos, a palavra
é precisa, não há sobras. Raramente o autor usa adjetivos, eles só aparecem
quando se fazem necessários na matéria narrada, jamais para enfeitar o texto ou
construir uma descrição poética. A beleza de sua escrita está justamente na
precisão: a palavra aguda que denuncia a opressão e a dor que atingem o ser
humano. Coerente com essa denúncia, os romances de Graciliano não apresentam
finais felizes: eles só seriam possíveis numa sociedade transformada. A função
do autor, nesse contexto, é conscientizar o leitor do que precisa ser revisto
em termos sociais e não oferecer a ele uma sensação ilusória com um final
improvável.
Vidas Secas é, no
conjunto da obra de Graciliano Ramos, um livro singular em diferentes aspectos:
é o único romance desse autor com foco narrativo em 3ª pessoa; não foi
planejado como romance: nasceu de um conto, “Baleia”; seus capítulos foram
escritos fora da ordem que receberam na edição final; não apresenta um
aprofundamento da análise psicológica das personagens, como acontece em São
Bernardo e Angústia.
O centro de interesse é
uma família de nordestinos que sofre as consequências da seca. O caráter
precário da vida decorre exatamente do nomadismo com que ela é marcada. O
livro, por isso, começa com um capítulo intitulado “Mudança” e encerra como
outro, denominado “Fuga”. Entre ambos, ecoa-se a vida do vaqueiro Fabiano, de
sua mulher (sinhá Vitória), de dois meninos e da cachorrinha Baleia.
A ausência de diálogos,
assim como a incapacidade das personagens em raciocinar – limitando-se a
registrar a agressão que recebem do mundo, físico e social –, constituem o
importantíssimo recurso de que se utiliza o romancista para deflagrar na mente
do leitor o agreste quadro em que se movem essas marionetes. Estão apenas
ligados pelos frágeis cordões que o fatalismo dirige: o fatalismo do meio e o
da estrutura social, onde o patrão ou o patriarca dispõe da vida desses... bichos,
no próprio dizer de Fabiano.
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
[...] E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar as coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e o cabelo ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho. Capaz de vencer dificuldades. [...]
A animalização das
personagens se manifesta de diversas formas nesse romance: as crianças não
chegam a ser nomeadas (são referidas como “menino mais novo” e “menino mais
velho”); como acontece com os animais, seu comportamento é determinado pela
necessidade de sobreviver a um espaço inóspito.
A crueldade do contexto
figurado por Graciliano é tão intensa que reflete a plena consciência de seu
depoimento sobre a obra: “as personagens adultas, preocupadas com o estômago,
não têm tempo de abraçar-se”.
Ao longo deste romance
(13 capítulos), é muito comum as vozes do narrador e das personagens se
confundirem, através do discurso indireto livre, um dos mais importantes
recursos narrativos de Graciliano Ramos, cuja linguagem despojada de retórica,
de verbalismos, parece se alojar no interior das personagens, fundindo homem e
paisagem, ação e processos mentais, com extrema adesão aos temas sobre os quais
escreveu.
Como o próprio nome
sugere, o discurso indireto livre apresenta características mistas, pois a fala
da personagem ou trechos dela intercalam-se sutilmente no discurso indireto,
por meio do qual o autor narra os episódios.
Sem o acúmulo dos
conectivos frequentes no discurso indireto puro e sem a presença constante do
verbo dicendi claro ou elíptico, o discurso indireto livre propicia à narrativa
um ritmo fluente, um tom mais artisticamente trabalhado. É o tipo de técnica
preferida dos escritores para relatar monólogos interiores, nas narrativas em
que a consciência flui no ir e vir da memória.
Resumindo, no discurso
indireto livre, o narrador ao invés de apresentar a personagem em sua própria
voz, discurso direto, ou de informar de modo objetivo o ouvinte sobre o que ela
teria dito, discurso indireto, aproxima narrador e personagem de tal forma, que
temos a impressão de que ambos são um só narrador. É uma forma de discurso que
traz certa ambiguidade, sendo difícil separar narrador e personagem:
“Sinhá Vitória falou assim, mas Fabiano resmungou, franziu a testa, achando a frase extravagante. Aves matarem bois e cabras, que lembrança! Olhou a mulher, desconfiado, julgou que ela estivesse tresvariando. Foi sentar-se no banco do copiar, examinou o céu limpo, cheio de claridade de mau agouro, que a sombra das arribações cortava. Um bicho de penas matar o gado! Provavelmente sinhá Vitória não estava regulando.”
No início da narrativa,
Fabiano, sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorrinha Baleia procuram um lugar
melhor para viver. Após longa caminhada pela caatinga, chegam a uma fazenda
abandonada, onde resolvem se instalar.
Quando volta o período
das secas, a família abandona a fazenda e recomeça suas andanças. Fabiano e
Sinhá Vitória, de olhos no futuro, mantêm ainda uma remota esperança de que as
coisas talvez melhorem e seus filhos não precisem passar pelo que estão
passando:
“Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de sinhá Vitória, as palavras que sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho.”
A aridez do cenário se
expande e atinge também o comportamento das personagens, caracterizadas por
falas monossilábicas e gestos voltados para a sobrevivência imediata
(comunicam-se parcamente, não conseguem expressar por meio de palavras a
riqueza interior que possuem). Essa imagem do silêncio é apontada como uma
qualidade ímpar do romance pelo crítico Antonio Candido:
Em Vidas Secas, o narrador constrói um discurso poderoso a partir de personagens incapazes de falar, devido à rusticidade extrema, para os quais o narrador elabora uma linguagem virtual a partir do silêncio. Como diz Lúcia Miguel Pereira, trata-se de “romance mudo como um filme de Carlitos”. Esta nova imagem aprofunda a visão crítica sobre o livro, assinalando a força criadora de um estilo parcimonioso que parece estar no limite da expressão possível – em contraste com a caudalosa falação de tantos romances daquela hora. Do mesmo modo, pouco antes, em Tempos modernos, Chaplin tentara manter a força da imagem silenciosa em meio à orgia de sonoridade do cinema falado.
Ao lado de temas que podem ser considerados
mais regionais, como o martírio da seca, a obra de Graciliano Ramos permite ao
leitor acompanhar dramas universais do homem: a animalização do ser humano
diante dos limites que se impõem à sua sobrevivência, a luta cotidiana entre o
sonho e a dura realidade, a necessidade de questionar as arbitrariedades dos
poderosos, a resistência contra ações e palavras violentas, a solidão do homem
diante de uma estrutura capitalista em que o ser humano se coisifica. Desse modo,
o questionamento do meio natural vem, na obra de Graciliano Ramos, sempre
acompanhado do questionamento do meio social.
Embora jamais tenha lido algo do autor, ouço muitos comentários elogiosos mas a sua interpretaçao da obra desse autor toucou-me. Assim que eu puder começarei - bem devagar é claro - começarei a ler algo. Acho que agora entenderei melhor.
ResponderExcluirGrata e um abraço
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ResponderExcluirPeace, Love and Bountiful Blessings!
Carolyn Moon
Nashville, TN.
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ResponderExcluirmuy buena entrada!
ResponderExcluirGraciliano Ramos retratou bem a questão do sofrimento do povo nordestino, em suas narrativas. A leitura de São Bernardo também me agradou muito. Miséria, seca, violência e preconceito caracterizam o tema central dessas histórias, a sofrida vida do povo nordestino. Parabéns! Excelente blog.
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ResponderExcluirOlá, meu amigo.
Que este domingo seja muito agradável para você.
TEB.
Ciao, amico mio.
ResponderExcluirUn buon martedì e una giornata meravigliosa.
Teb.
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