
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
Jornalista, tradutor e escritor, Mário Quintana(1906 – 1994) nasceu na cidade de Alegrete (1906), no Rio Grande do Sul.
“Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton!”.
Após frequentar algumas escolas em sua cidade natal, é matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre(1919), onde começou a produzir seus primeiros trabalhos na revista Hyloea, editada pelos próprios estudantes. Em 1924, deixa o referido colégio e emprega-se na Livraria do Globo (editora de renome nacional), onde trabalha por três meses com Mansueto Bernardi.
O talento para a literatura se manifestou cedo. Aos 20 anos, venceu um concurso promovido pelo jornal gaúcho “Diário de Notícias" com o conto “A Sétima Personagem”.
Em 1929 ingressou no jornal O Estado do Rio Grande. Após ter participado da Revolução de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro. Retornou, em 1936, para a Livraria do Globo, em Porto Alegre, onde trabalhou sob a direção de Érico Veríssimo. Traduziu Charles Morgan, Rosamond Lehman, Lin Yutang, Proust, Voltaire, Virginia Woolf, Papini, Maupassant, Balzac, Gram Greene, Conrad, dentre outros. Com certeza, foi um dos responsáveis pelo acesso do povo brasileiro às obras da literatura internacional.
Seu primeiro livro de poesias, A Rua dos Cataventos, que reúne sonetos de influência parnasiana, é publicado em 1940 ( coletânea que passou a ser inserida em diversos livros escolares). Entre suas principais obras, estão Aprendiz de feiticeiro (1950), Antologia poética (1966), Caderno H (1973) e A vaca e o hipogrifo (1977). Dentre os livros que escreveu para crianças, destacam-se Pé de Pilão (1966), Lili inventa o mundo (1983) e Nariz de vidro (1984).
A poesia de Quintana é marcada pelo lirismo, pelo bom humor e pela crítica voltada à massificação característica das sociedades contemporâneas. Focalizando temas aparentemente simples (como o amor, a vida, a morte, a velhice e a religiosidade) seus poemas incorporam a fantasia e o universo da infância.
Com excepcional capacidade de cativar leitores( talvez porque soubesse extrair reflexões e sentidos de eventos do dia a dia, quase banais, com leveza, ternura e sutil ironia), Quintana era também admirado por poetas como Drummond, Vinícius e Cecília Meireles. De Manuel Bandeira, recebeu elogios:
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares
Quinta essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
Em uma entrevista, chegou a dizer que a sua vida estava descrita nos seus poemas:
"Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão".
Em 1960, foi publicada a sua “Antologia poética”, organizada por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, com mais de 60 poemas inéditos. A obra teve boa repercussão no meio editorial e recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia como melhor livro do ano.
Despreocupado em relação à crítica, faz poesia porque "sente necessidade", segundo suas próprias palavras.
O poeta candidatou-se três vezes à Academia Brasileira de Letras, mas nunca lhe deram a vaga. Depois da terceira recusa, ele ironizou os imortais com seu conhecido “Poeminha do Contra”:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
O poeta recebeu inúmeras homenagens durante a vida, mas morreu negando as reverências:
Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de autossuperação. Um poeta satisfeito não satisfaz.
Em 1980 recebe da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra. Em 1981, foi agraciado com o prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano.
O Príncipe dos Poetas Brasileiros (como era conhecido) faleceu com quase 90 anos.
"Amigos, não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira".
Comentários sobre o poema
“Canção da Primavera” é um texto que se apresenta na forma de três quartetos e um dístico final, mostrando-nos a intenção deliberada do autor de fazer um poema que celebrasse a chegada da Primavera, em versos heptassílabos.
O eu lírico passa-nos a ideia da chegada suave da nova estação, a estação da vida, da florescência e do amor. No primeiro verso, o substantivo rio, contribui para realçar os conceitos de vida (água = fonte da vida) e da passagem do tempo (simbolizada no correr das águas). Este ressurgimento de novas esperanças de vida é realçado também pelo sonho, fonte de fruição dos desejos (“o sonho que tu sonhas”).
Repare que o ritmo e as sonoridades da primeira estrofe acentuam o caráter lírico da composição. No primeiro verso, temos a aliteração do “r” (“Primavera cruza o rio”), a anáfora com o segundo verso (cruza/cruza), ao que se soma a metonímia encontrada no terceiro verso ("cidade adormecida") e o hipérbato (aqui desfeito): “Primavera vem chegando na cidade adormecida”.
Logo em seguida, o eu lírico descreve as transformações ocorridas com a chegada da Primavera e a reação das pessoas. É um momento de festa, de liberdade e de não interdição, simbolizada no enlouquecimento do catavento e na igualdade dos homens, que se encontram sem diferenças sociais, o que é expresso pelo coletivo bando, e que, dançando em torno do catavento, parecem cúmplices da sua loucura. Enfatizando esse aspecto, temos a repetição no uso do gerúndio (girando, girando), aproximando a loucura do catavento à dos homens.
Todos são convocados para esta dança de sagração da Primavera: as amadas, os mortos, os amigos. E, já que todos sabem o motivo desta dança ( a chegada da estação do amor, das flores e da esperança), devem dançar até a extenuação, ou até que os muros (as interdições, as proibições e os obstáculos construídos pelos homens) estejam plenamente floridos graças ao espírito da Primavera.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
Jornalista, tradutor e escritor, Mário Quintana(1906 – 1994) nasceu na cidade de Alegrete (1906), no Rio Grande do Sul.
“Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton!”.
Após frequentar algumas escolas em sua cidade natal, é matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre(1919), onde começou a produzir seus primeiros trabalhos na revista Hyloea, editada pelos próprios estudantes. Em 1924, deixa o referido colégio e emprega-se na Livraria do Globo (editora de renome nacional), onde trabalha por três meses com Mansueto Bernardi.
O talento para a literatura se manifestou cedo. Aos 20 anos, venceu um concurso promovido pelo jornal gaúcho “Diário de Notícias" com o conto “A Sétima Personagem”.
Em 1929 ingressou no jornal O Estado do Rio Grande. Após ter participado da Revolução de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro. Retornou, em 1936, para a Livraria do Globo, em Porto Alegre, onde trabalhou sob a direção de Érico Veríssimo. Traduziu Charles Morgan, Rosamond Lehman, Lin Yutang, Proust, Voltaire, Virginia Woolf, Papini, Maupassant, Balzac, Gram Greene, Conrad, dentre outros. Com certeza, foi um dos responsáveis pelo acesso do povo brasileiro às obras da literatura internacional.
Seu primeiro livro de poesias, A Rua dos Cataventos, que reúne sonetos de influência parnasiana, é publicado em 1940 ( coletânea que passou a ser inserida em diversos livros escolares). Entre suas principais obras, estão Aprendiz de feiticeiro (1950), Antologia poética (1966), Caderno H (1973) e A vaca e o hipogrifo (1977). Dentre os livros que escreveu para crianças, destacam-se Pé de Pilão (1966), Lili inventa o mundo (1983) e Nariz de vidro (1984).
A poesia de Quintana é marcada pelo lirismo, pelo bom humor e pela crítica voltada à massificação característica das sociedades contemporâneas. Focalizando temas aparentemente simples (como o amor, a vida, a morte, a velhice e a religiosidade) seus poemas incorporam a fantasia e o universo da infância.

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares
Quinta essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

"Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão".
Em 1960, foi publicada a sua “Antologia poética”, organizada por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, com mais de 60 poemas inéditos. A obra teve boa repercussão no meio editorial e recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia como melhor livro do ano.
Despreocupado em relação à crítica, faz poesia porque "sente necessidade", segundo suas próprias palavras.
O poeta candidatou-se três vezes à Academia Brasileira de Letras, mas nunca lhe deram a vaga. Depois da terceira recusa, ele ironizou os imortais com seu conhecido “Poeminha do Contra”:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
O poeta recebeu inúmeras homenagens durante a vida, mas morreu negando as reverências:
Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de autossuperação. Um poeta satisfeito não satisfaz.
Em 1980 recebe da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra. Em 1981, foi agraciado com o prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano.
O Príncipe dos Poetas Brasileiros (como era conhecido) faleceu com quase 90 anos.
"Amigos, não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira".

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literaturacomentadablog@gmail.com
Obs: Este Blog não possui patrocinadores. Contribua para mantê-lo atualizado.
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“Canção da Primavera” é um texto que se apresenta na forma de três quartetos e um dístico final, mostrando-nos a intenção deliberada do autor de fazer um poema que celebrasse a chegada da Primavera, em versos heptassílabos.
O eu lírico passa-nos a ideia da chegada suave da nova estação, a estação da vida, da florescência e do amor. No primeiro verso, o substantivo rio, contribui para realçar os conceitos de vida (água = fonte da vida) e da passagem do tempo (simbolizada no correr das águas). Este ressurgimento de novas esperanças de vida é realçado também pelo sonho, fonte de fruição dos desejos (“o sonho que tu sonhas”).
Repare que o ritmo e as sonoridades da primeira estrofe acentuam o caráter lírico da composição. No primeiro verso, temos a aliteração do “r” (“Primavera cruza o rio”), a anáfora com o segundo verso (cruza/cruza), ao que se soma a metonímia encontrada no terceiro verso ("cidade adormecida") e o hipérbato (aqui desfeito): “Primavera vem chegando na cidade adormecida”.
Logo em seguida, o eu lírico descreve as transformações ocorridas com a chegada da Primavera e a reação das pessoas. É um momento de festa, de liberdade e de não interdição, simbolizada no enlouquecimento do catavento e na igualdade dos homens, que se encontram sem diferenças sociais, o que é expresso pelo coletivo bando, e que, dançando em torno do catavento, parecem cúmplices da sua loucura. Enfatizando esse aspecto, temos a repetição no uso do gerúndio (girando, girando), aproximando a loucura do catavento à dos homens.
Todos são convocados para esta dança de sagração da Primavera: as amadas, os mortos, os amigos. E, já que todos sabem o motivo desta dança ( a chegada da estação do amor, das flores e da esperança), devem dançar até a extenuação, ou até que os muros (as interdições, as proibições e os obstáculos construídos pelos homens) estejam plenamente floridos graças ao espírito da Primavera.