
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão resaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa nasceu em 1888, em Lisboa, vindo a falecer na mesma cidade, em 1935, com apenas 47 anos. Órfão de pai ainda criança, passou a infância e a adolescência em Durban, na África do Sul, onde obteve educação inglesa, tornando-se um poeta bilíngue. Em 1905, prestes a ingressar na Universidade do Cabo, precisou voltar para Lisboa. Lá chegou a iniciar o Curso Superior de Letras, abandonando-o para instalar uma tipografia, que fracassou. Trabalhou obscuramente como correspondente estrangeiro – redator de cartas comerciais em inglês e francês –, atividade modesta, que acabou por sustentá-lo a maior parte da vida.
Embora tenha participado intensamente das publicações do Modernismo português, seu único livro publicado em vida foi Mensagem, obra com a qual participou de um concurso de poesia do Secretariado da Propaganda Nacional, em Lisboa, em 1934, pouco antes de morrer. O prêmio de segunda categoria que lhe deram, nessa última experiência literária, mostra o quanto não foi reconhecido em vida, embora tenha dedicado toda ela à arte e à poesia. Milhares de páginas têm sido escritas sobre sua criação, uma das maiores do século XX, ao lado de Eliot, Rilke, Pound, Lorca e alguns outros.
Embora tenha participado intensamente das publicações do Modernismo português, seu único livro publicado em vida foi Mensagem, obra com a qual participou de um concurso de poesia do Secretariado da Propaganda Nacional, em Lisboa, em 1934, pouco antes de morrer. O prêmio de segunda categoria que lhe deram, nessa última experiência literária, mostra o quanto não foi reconhecido em vida, embora tenha dedicado toda ela à arte e à poesia. Milhares de páginas têm sido escritas sobre sua criação, uma das maiores do século XX, ao lado de Eliot, Rilke, Pound, Lorca e alguns outros.
Poeta filósofo, sutil e complexo, Fernando Pessoa escreve em redondilhas rimadas, fundamentalmente procurando reunir o “sentir” e o “pensar” (“ O que em mim sente ´stá pensando”). A inquietação, a necessidade de compreender todas as coisas, a busca constante da consciência, que inclui saber ser ela uma impossibilidade, constituem algumas das características fundamentais de sua obra.
Fernando Pessoa é o poeta que conjuga lucidez e vidência, que se coloca entre o pendor para a paixão, o sonho, a entrega mágico-poética aos mistérios e a postura analítico-racional, de constante indagação crítica. Assim, fragmentou-se, multiplicou-se, reinventou-se, convivendo em profundidade com todas as grandes contradições do nosso tempo e recriando-as poeticamente, numa das monumentais obras-primas da poesia do século XX.
Mensagem é sua obra em versos, ao mesmo tempo, líricos e épicos. Está dividida em três partes: I – Brasão; II – Mar Portuguez; III – O Encoberto. Nela, Pessoa recria a História de Portugal, a partir de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. Escrita no período neoclássico (século XVI), Os Lusíadas é considerada a maior epopeia existente em língua portuguesa, tendo imortalizado a glória e a soberania de Portugal, no período da expansão ultramarina.

“Mar portuguez” é uma das mais belas composições de toda a obra de Fernando Pessoa. Nela, o poeta sintetiza, de forma brilhante, os elementos fundamentais no questionamento das Navegações: a dor, o preço pago para que o mar se tornasse português e a pergunta vital – “Valeu a pena?”.
Comentários sobre o poema
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Atividades propostas
a) Por que é possível afirmar que o título do poema
enfatiza a vocação marítima de Portugal?
b) Que efeito de sentido
produz o uso da primeira pessoa do plural no terceiro
verso da primeira estrofe?
c) Segundo o texto, quais foram os sofrimentos vividos pelos portugueses para que o mar fosse conquistado?
d) Explique o sentido dos versos finais do texto: “Deus ao mar o perigo e o abysmo deu, Mas nelle é que espelhou o céu.”
e) Identifique as palavras usadas no poema que, por sua grafia, revelam que a aventura náutica portuguesa refere-se a um passado longínquo.
O poema tem um tom filosófico, épico, elegendo como interlocutor o mar: espaço infinito, de expansão e de aventuras. Faz um balanço histórico com ele, reconhecendo a dor e, também, a necessidade de ultrapassá-la, quando o que importa é o Ideal. Em versos alternadamente de dez e oito sílabas poéticas, com rimas emparelhadas (aabbcc), as duas estrofes de seis versos que constituem o poema exibem alguns elementos essenciais da releitura de Os Lusíadas presente em Mensagem. Sua temática se aproxima da do episódio camoniano do Velho do Restelo, em que se denuncia o imenso sacrifício imposto ao povo pela aventura ultramarina:
“ Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam.
As mulheres e`um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mãe, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.”
Julgando-os perdidos, mães, esposas, irmãs choravam antecipadamente a morte de seus parentes; as lágrimas eram tantas que se igualavam em quantidade aos grãos de areia:
“ A branca areia as lágrimas banhavam,
Que a multidão com elas se igualavam.”
Fernando Pessoa retoma a fusão das lágrimas com as águas do mar, comunhão mais que perfeita da aventura portuguesa. Como nos outros poemas desta obra, o autor recorre a arcaísmos gráficos, como forma de remissão a um passado longínquo (portuguez, lagrimas, resaram, quere, abysmo, nelle).
Na primeira estrofe do poema, o mar aparece como vocativo, considerado como entidade superior, divina, mitificada (dessas entidades superiores que se alimentam de sangue, da dor, do sacrifício humano). As frases exclamativas realçam o sofrimento causado pela sua conquista, sintetizado pelas lágrimas que, de tão numerosas, colaboraram para torná-lo salgado (conceito hiperbólico). Repare que o eu lírico se manifesta de forma coletiva: “ Por te cruzarmos, quantas mães choraram”. A forma verbal de primeira pessoa do plural (“cruzarmos”) traz implícito o sujeito nós, que expressa a ideia de uma voz coletiva, isto é, de todo o Povo português a lamentar o alto preço pago.
A vocação náutica dos portugueses e os grandes descobrimentos do passado tornaram o tema do mar bastante frequente na Literatura Portuguesa de todos os tempos. Fernando Pessoa, em “Mar portuguez”, focaliza o custo que a aventura marítima representou em termos de vidas humanas e sofrimentos ao povo de seu país (representado pelo choro das mães, a prece dos filhos e a privação das noivas). O possessivo nosso do verso 6 não deixa dúvida de que Portugal adquiriu efetivamente a conquista desejada: o mar.
A segunda estrofe, no entanto, o eu lírico justifica o empreendimento e o esforço supremo: “Quem quere (quer) passar além do Bojador/Tem que passar além da dor”. Para os portugueses, a glória era simbolizada pela superação dos perigos do mar, constante duelo com a morte. O Bojador é um cabo localizado na costa oeste da África, na altura das ilhas Canárias (pouco ao norte do Trópico de Câncer). No início das grandes Navegações, era o limite conhecido do território africano. Portanto, “passar além do Bojador” significa entrar no desconhecido, enfrentar “perigos e abismos”.
E nesse contexto, “ tudo vale a pena” quando se alcança um desígnio maior, destinado pela nobreza da alma não pequena( de inspirações ilimitadas), pois se o mar é perigoso, na mesma medida, é o espelho da grandeza e da sublimidade, já que é nele que se reflete o céu. Ao Ideal expansionista do século XVI, com suas conquistas materiais e suas glórias terrenas, Pessoa opõe outro Ideal: um “Mar portuguez” mítico, metafísico, espiritual: conquistá-lo significa optar pela aventura e pelo sonho, engrandecer a pátria e a humanidade com a força da “Grande Poesia”, portuguesa e ao mesmo tempo universal.
Na primeira estrofe do poema, o mar aparece como vocativo, considerado como entidade superior, divina, mitificada (dessas entidades superiores que se alimentam de sangue, da dor, do sacrifício humano). As frases exclamativas realçam o sofrimento causado pela sua conquista, sintetizado pelas lágrimas que, de tão numerosas, colaboraram para torná-lo salgado (conceito hiperbólico). Repare que o eu lírico se manifesta de forma coletiva: “ Por te cruzarmos, quantas mães choraram”. A forma verbal de primeira pessoa do plural (“cruzarmos”) traz implícito o sujeito nós, que expressa a ideia de uma voz coletiva, isto é, de todo o Povo português a lamentar o alto preço pago.
A vocação náutica dos portugueses e os grandes descobrimentos do passado tornaram o tema do mar bastante frequente na Literatura Portuguesa de todos os tempos. Fernando Pessoa, em “Mar portuguez”, focaliza o custo que a aventura marítima representou em termos de vidas humanas e sofrimentos ao povo de seu país (representado pelo choro das mães, a prece dos filhos e a privação das noivas). O possessivo nosso do verso 6 não deixa dúvida de que Portugal adquiriu efetivamente a conquista desejada: o mar.
A segunda estrofe, no entanto, o eu lírico justifica o empreendimento e o esforço supremo: “Quem quere (quer) passar além do Bojador/Tem que passar além da dor”. Para os portugueses, a glória era simbolizada pela superação dos perigos do mar, constante duelo com a morte. O Bojador é um cabo localizado na costa oeste da África, na altura das ilhas Canárias (pouco ao norte do Trópico de Câncer). No início das grandes Navegações, era o limite conhecido do território africano. Portanto, “passar além do Bojador” significa entrar no desconhecido, enfrentar “perigos e abismos”.
E nesse contexto, “ tudo vale a pena” quando se alcança um desígnio maior, destinado pela nobreza da alma não pequena( de inspirações ilimitadas), pois se o mar é perigoso, na mesma medida, é o espelho da grandeza e da sublimidade, já que é nele que se reflete o céu. Ao Ideal expansionista do século XVI, com suas conquistas materiais e suas glórias terrenas, Pessoa opõe outro Ideal: um “Mar portuguez” mítico, metafísico, espiritual: conquistá-lo significa optar pela aventura e pelo sonho, engrandecer a pátria e a humanidade com a força da “Grande Poesia”, portuguesa e ao mesmo tempo universal.