Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Vocabulário
Viração: vento brando e fresco que, à tarde, costuma soprar do mar para a terra.
Tamarindo: árvore originária da África tropical, em cujos frutos há uma polpa ácida e comestível.
Tapiz: tapete.
Bogari: arbusto ornamental cujas flores exalam penetrante perfume.
Influxo: afluência.
Quebranto: um estado de espírito marcado pela calma e suavidade.
Um só giro do sol: um só dia.
Pé da noite: fim da noite.
Exalar: soltar perfume.
Arazóia: saiote de penas usado pelas índias.
Tupã: designação tupi do trovão usada pelos missionários jesuítas para designar Deus.
Criar uma expressão poética nacional era uma das maiores preocupações dos primeiros autores românticos brasileiros. Essa preocupação ganharia forma, sobretudo no indianismo e na utilização da ´´cor local``, isto é, da caracterização de um ambiente tipicamente do Brasil por meio da descrição da natureza. Nesse sentido, o trabalho poético de Gonçalves Dias combina as expectativas das raízes de nacionalidade com a tradição da poesia lírica em língua portuguesa.
Hábil explorador de ritmos, o poeta construiu uma obra equilibrada, responsável pela fixação definitiva do Romantismo na nossa literatura. Sua poesia indianista constituiu um forte elemento renovador, ainda que transmitisse uma visão idealizada do indígena. O poeta orgulhava-se de suas três raças, que formaram a etnia brasileira: era filho de um comerciante português branco e de uma cafuza (mestiça de negro e índio).
Publicado nos Últimos cantos, em 1849, ´´Leito de folhas verdes`` é considerado um dos três melhores poemas indianistas de Gonçalves Dias. Em sua leitura, observa-se a natureza vivamente descrita – seus sons, suas cores, seus perfumes – tornando-se uma extensão dos sentimentos e participando, ativamente, dos preparativos para um suposto encontro amoroso.
Comentários sobre o poema
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O poema compõe-se de nove estrofes de quatro versos cada uma. Os versos não rimam entre si – o poeta optou por fazer versos brancos. Entretanto, utilizou rigorosamente o verso decassílabo heróico, com acento na sexta e na décima sílabas. Apesar da ausência de rima, o poema apresenta musicalidade bastante sugestiva, proveniente da combinação cuidadosa de sons da linguagem. Perceba, por exemplo, os sons semelhantes: ´´Por que tardas, Jatir, que tanto a custo`` (no primeiro verso) ou ´´Correm perfumes no correr da brisa`` (segundo verso da quarta estrofe). Merecem destaque a terceira e a oitava estrofe: são bastante semelhantes, estabelecendo uma simetria dentro do corpo do poema.
´´Leito de folhas verdes`` apresenta uma primeira pessoa – caracterizada pelos pronomes e verbos (meu amor, cobri zelosa, eu sou etc.) – que dirige a palavra a Jatir, o amado ausente. Fala da espera do amado que não vem. A mulher prepara um leito de folhas verdes, que se revela, ao longo do poema, inútil. O cenário, o vocabulário e a divindade Tupã nos permitem deduzir que se trata de uma jovem índia que se angustia por desconhecer o paradeiro de seu amor. A emoção do eu lírico feminino deriva do amor da índia por Jatir. O texto é uma versão romântica das cantigas de amigo medievais, nas quais o trovador reproduzia a fala feminina que manifestava o desejo de encontro com o seu ´´amigo`` (amado).
Para entender o desenvolvimento do poema, são fundamentais três momentos nitidamente demarcados:
Primeiro segmento: os preparativos para o encontro – o anoitecer (1ª a 3ª estrofe);
Segundo segmento: a longa espera – o correr da noite (4ª a 7ª estrofe);
Terceiro segmento: a decepção – o amanhecer (8ª e 9ª).
No primeiro segmento, a ansiedade do eu lírico feminino é notória pelo tom com que a índia apela ao amado para que ele venha em sua direção. Esse ´´desejo`` se reflete no efeito de sensualidade sugerido pela descrição da natureza: A “viração (...) rumoreja”, isto é, sussurra, e o “luar brinca”. Em ambos os casos, caracteriza-se a personificação. A natureza adquire especial significado no mundo romântico. Testemunha e companheira das almas sensíveis é, também, refúgio, proteção, cenário ideal para o encontro amoroso: ´´Sob a copa da mangueira altiva``, em meio à exuberante paisagem americana (cor local), um delicado leito de folhas e flores é preparado para a espera de seu amado. ´´No silêncio da noite o bosque exala``doces aromas de flores ´´como prece de amor``(verso que transmite religiosidade). A flor do tamarindo aberta ´´há pouco`` indica as primeiras horas da noite.
Durante toda a noite, ´´respira-se um quebranto de amor``, ao ´´influxo mágico`` dos ´´perfumes no correr da brisa``. Neste segundo segmento, caracterizado pela longa espera, o eu lírico feminino se compara a flor que, desabrochando de manhã, vive apenas um dia, mas que espera ainda o sol para desabrochar (estabelece-se uma relação metafórica entre flor/mulher e sol/Jatir). Através dessa entrega amorosa total, é tamanha a identidade mulher / flor que a própria concordância verbal desobedece aos padrões da gramática tradicional, fugindo assim da concordância óbvia: eu sou aquela flor que espera...
Há outra identificação que deve ser ressaltada. Na sexta estrofe, após uma série de imagens geradas por oposições (vales / montes, lago / terra, dia / noite), ocorre a síntese final entre o ´´eu`` que chama e o homem amado: ´´... és meu, sou tua``(fidelidade absoluta). É um canto de amor singelo e puro, como singelos e puros são os sentimentos da amada em relação a Jatir. O verso ´´A arazóia na cinta me apertaram`` sugere um compromisso, um voto de castidade.
A partir desse ponto, a ansiedade do eu lírico feminino aumenta, ao mesmo tempo em que a noite vai chegando ao fim, culminando na frustração amorosa que caracteriza as últimas estrofes. Este terceiro segmento é marcado pela decepção. Ao amanhecer, a flor do tamarindo jaz entreaberta; foram inúteis os perfumes das flores e do coração da amante(´´Melhor perfume`` exala), pois Jatir não compareceu ao encontro amoroso. Observe as palavras de sentido negativo que aí aparecem: ´´Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes / À voz do meu amor, que em vão te chama!`` A imagem final dessa frustração ocorre ao romper do sol, momento em que o leito do amor se transforma num ´´leito inútil`` que é sacudido, desfeito pela brisa da manhã.
A palavra ´´folhas``, repetida três vezes no poema, pode ser vista como um índice (isto é, como pista de alguma coisa). Note que a primeira utilização: ´´Da noite a viração, movendo folhas``, aponta para a definição da hora noturna; segunda utilização: ´´Com mimoso tapiz de folhas brandas`` aponta para o foco da espera amorosa; e a última utilização: ´´A brisa da manhã sacuda as folhas!`` aponta para a decepção (indignação) da longa espera.
Fico me perguntando se a poesia é pura inspiração ou se o poeta apenas trabalha em sua construção.
ResponderExcluirJefhcardoso do
http://jefhcardoso.blogspot.com
Gostei muito
ResponderExcluirVai ajudar bastante na Prova de Literatura Brasileira I.. Obrigada.!
ResponderExcluirQueria ver uma análise do poema Marabá
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