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sábado, 3 de julho de 2010

Soneto LXXII - Cláudio Manuel da Costa



Já rompe, Nise, a matutina Aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando o Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.

Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontezinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora!

Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise Adorada,
Não sabe inda que coisa é alegria;

E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.

Esse soneto é uma demonstração das qualidades técnicas da poesia de Cláudio Manuel da Costa, que é considerado um dos melhores sonetistas brasileiros. A forma do texto, lembrando inclusive, que o rigor formal é uma das características do Arcadismo, consiste em dois quartetos e dois tercetos (catorze versos). Todos os versos são decassílabos, e o esquema rímico nos quartetos é ABBA (rimas interpoladas), enquanto nos tercetos é CDC DCD (rimas alternadas).

É muito importante, na poesia árcade, a presença da mulher amada, sempre focalizada como a parte mais nobre da natureza (o árcade considera a sua companheira como parte integrante do cenário, um elemento ornamental precioso). Várias pastoras são registradas na biografia sentimental do pastor-poeta: Eulina, Daliana, Antrandra... mas Nise pode ter sido a predileta, ´´o mais querido nome de mulher nos versos de Glauceste``.


Nise é uma mulher personagem fictícia, incorpórea, presente apenas pela situação nominal. Não se manifesta na relação amorosa, não é descrita fisicamente, nem dá qualquer mostra de corresponder alguém de verdade. Apenas representa o ideal da mulher amada inalcançável, nítido traço de reaproveitamento do neoplatonismo renascentista.




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Introdutor do Arcadismo no Brasil, Cláudio apresenta, em sua poesia, traços barrocos, como o gosto pelas figuras de linguagem como em ´´negro manto`` para noite e ´´chama brilhadora`` para o Sol (metáforas), inversões sintáticas (como na 1ª estrofe) e o tom de pessimismo que se nota em seus poemas. Sofreu forte influência do modelo camoniano, tanto na preferência pelos sonetos, como na estrutura da obra épica que deixou, o poema Vila Rica.
O poema pode ser organizado em duas partes: as duas primeiras estrofes revelam, por parte do eu lírico, uma preocupação em descrever a natureza, o mundo exterior. Aqui as impressões sugerem o ver (negro, noite escura, chama brilhadora e campos cheios de verduras). A segunda parte, formada pelos tercetos, trata do mundo interior do eu e nela as impressões sugerem o sentir (alma, melancolia, alegria, suavidade do prazer).
A primeira estrofe trata do nascer do dia (a matutina aurora rompe o negro manto com que a noite escura tinha escondido a chama brilhadora, sufocando a face pura do sol. Apresenta as seguintes antíteses: Matutina aurora/ noite escura; negro manto/ chama brilhadora. As inversões sintáticas, as antíteses e a complexidade de construção são adequadas ao conteúdo dos versos, que tratam do momento de transição da noite para o dia. Assim, a falta de clareza de ideias, resultado da complexidade da construção, equivale à falta de claridade da madrugada.
Partindo de uma linguagem complexa, em que as palavras se organizam quase caoticamente, o poema pode sugerir, no plano de conteúdo, o momento em que a aurora vai romper o manto negro da noite, em que as formas dos objetos se confundem no claro-escuro. A noite é deleite de quem sofre porque o alento noturno mitiga os efeitos da melancolia.
A partir da segunda estrofe, entretanto, o Sol é vitorioso. A luz vence as trevas e, no domínio da claridade, o mundo goza de equilíbrio e felicidade. Igualmente a organização da linguagem, em contraste com a da primeira estrofe, mostra-se agora clara e transparente como as águas da ´´fontezinha``. A adequação entre forma e conteúdo continua. Nela a linguagem torna-se clara e direta, o que equivale à claridade da luz e dos objetos nesse momento em que nasceu o dia.
Na terceira estrofe, apesar da claridade do mundo exterior, o eu lírico, interiormente, encontra-se triste, em meio às trevas e lamenta a falta da amada no cenário: ´´Só minha alma em fatal melancolia (...) Não sabe inda que coisa é alegria``. E a condição para que se resolva o conflito criado a partir do contraste alegria do mundo exterior/ tristeza interior do eu não depende agora da natureza, mas de Nice, sua musa.
Da mesma forma que o sol resolve o conflito luz/ treva, somente Nice é capaz de harmonizar o contraste alegria exterior/ tristeza interior. Nice equivale, pois, ao Sol, astro maior.
É quando observamos o sombrio desencanto na quarta estrofe. Para a infelicidade do eu lírico, o sol integra o quadro natural, faz parte dele, ao passo que Nice ali não está (e isso dilata profundamente o sofrimento amoroso sem perspectivas). Quanto mais são bonitos o dia e a natureza, mais ele percebe o quanto poderia ser feliz se Nise estivesse presente. Em todo o soneto, a mulher ausente torna a paisagem nula.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Soneto II - Cláudio Manuel da Costa





O inconfidente Claudio Manuel da Costa, ou Glauceste Satúrnio, foi um poeta de transição do Barroco para o Neoclassicismo. Seus poemas apresentam características de um e de outro estilo. As Obras Poéticas, que publicou em 1768, são consideradas como marco inicial do Neoclassicismo no Brasil. Repare que o estilo chega bem atrasado à nossa terra, já na segunda metade do século XVIII. Isso vai acontecer com outros estilos também: só depois que se firmam na Europa é que chegam a nós. O atraso, entretanto; não diminui sua importância.

Cláudio fez questão de deixar em seus poemas espaço para Minas Gerais, a terra que ele amava. Escreveu um poema épico, Vila Rica, de valor mais histórico do que literário, pelas informações sobre a descoberta das minas, a fundação da cidade e as primeiras revoltas do lugar, como também poemas líricos em que a presença da natureza mineira é marcante. Leia, por exemplo, este belo soneto em que o poeta fala do rio de sua terra, repleto de ouro e alvo de cobiça, muito diferente dos tranquilos rios de Portugal.

Leia a posteridade, ó pátrio Rio, 
Em meus versos teu nome celebrado; 
Por que vejas uma hora despertado 
O sono vil do esquecimento frio: 

Não vês nas tuas margens o sombrio, 
Fresco assento de um álamo copado; 
Não vês ninfa cantar, pastar o gado 
Na tarde clara do calmoso estio. 

Turvo banhando as pálidas areias 
Nas porções do riquíssimo tesouro 
O vasto campo da ambição recreias. 

Que de seus raios o planeta louro 
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Vocabulário:
Planeta louro: o sol.
Influxo: o equivalente a maré-cheia, no rio.

O texto transcrito corresponde ao soneto II das Obras de Cláudio Manuel da Costa, apresentando versos de dez sílabas, chamados decassílabos, com rimas opostas (esquema ABBA), nos quartetos e alternadas (esquema CDCDCD), nos tercetos. É interessante notar, nas estrofes iniciais, como o eu lírico procura demonstrar que, embora não apresente as características comuns ao lócus amoenus árcade, a natureza pátria também é digna de ser celebrada. O imperativo ´´Leia``, que abre o poema, revela a celebração do ´´pátrio Rio``.

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Sendo assim, a 1ª estrofe apresenta o eu lírico dirigindo-se ao rio de sua terra natal ( o Ribeirão do Carmo, que passa por Mariana), comunicando-lhe que vai tomá-lo como motivo poético, o que fará com que ele, rio, seja conhecido pela posteridade e, portanto, resgatado do esquecimento( porque ninguém o celebrara ainda , antes dele). Celebrando o pátrio Rio (observar o hipérbato, ou seja, a inversão sintática do período, no 2º verso), pretende-se despertá-lo do sono vil (uma metáfora da morte) do esquecimento frio.
A 2ª estrofe se inicia e se desenvolve através de um processo negativo. Mostra que o rio de sua terra não integra uma paisagem poética típica da poesia arcádica européia. Efetua a comparação das ribeiras (margens) do Ribeirão do Carmo situado no espaço de Minas, com as ribeiras de outros dois espaços: o da Europa, representado por ´´álamo copado`` e o da Arcádia, representado por ´´ninfa``. Percebe-se, inicialmente, que a natureza brasileira está destituída de qualquer ideário mitológico e não funciona como palco para uma paisagem demasiadamente bucólica.
Após a definição negativa do campo mineiro, dada na segunda estrofe, que diz o que não é, vem a definição da característica principal de Ribeirão do Carmo: a extração do ouro (um lugar em que se ceva e se satisfaz a ambição de enriquecimento). Surge aí a contraposição antitéticas entre os valores materiais (ouro) e imateriais (cultivo da poesia). Logo, na 3ª estrofe, fica clara a razão para que o ´´pátrio Rio`` permaneça na lembrança, eternizado na poesia: em suas águas esconde-se o ´´riquíssimo tesouro``.
Por pertencer a uma época de transição, o poeta não se livra tão facilmente dos vestígios da moda literária do século precedente. Na última estrofe, o poeta expressa seus sentimentos através de imagens, que remetem o leitor ao paralelo entre a intensidade dos raios do sol e dos reflexos do ouro, num recurso à analogia de base sensorial, típica do Barroco, tendo como desfecho um jogo metafórico: os raios do sol (´´planeta louro``) funcionam como um fogo que se mineraliza e ´´penetra`` nas águas. Fruto dessa fecundação (feita como chamas), nas veias do Ribeirão (como se fossem entranhas), converte-se, dentro dele, no pó de ouro que brota do seu seio.
Assumindo uma concepção de poesia já claramente influenciada pelo Arcadismo, o texto faz surgir uma das constantes da poesia de Cláudio: o contraste entre a tradição poética civilizada (expressa na idealização da paisagem bucólica, que remonta à Antiguidade) e a realidade rústica do Brasil-Colônia, então atravessando o ciclo da mineração.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O Uruguai - Basílio da Gama


´´Serás lido, Uruguai. Cubra os meus olhos

Embora um dia a escura noite eterna.

Tu vive e goza a luz serena e pura.``

(Basílio da Gama)



O principal poema épico do Arcadismo foi O Uruguai (1769), de Basílio da Gama, cujo assunto é a guerra movida pelos portugueses e espanhóis contra os índios, instigados pelos jesuítas, na região dos Sete Povos das Missões. Ele inovou a poesia de seu tempo, por não utilizar a mitologia convencional. Não se orientou, além disso, pelo bucolismo, também convencional em sua época. Conseguiu criar uma obra de fôlego e certa elegância poética, apesar de residir seu maior feito na quebra da estrutura camoniana. Foi diferente, inclusive, na escolha da temática, ao cantar um assunto de sua contemporaneidade. Além do nativismo e da liberdade formal em relação aos modelos da epopéia clássica e além da presença pela primeira vez da mitologia indígena ao invés da clássica, o tom trágico desta epopéia faz com que seja considerada uma obra pré-romântica.


O poema narra o que foi a luta pela posse da terra, travada em princípios de 1757. A situação envolvida era mais ou menos esta: a noroeste do atual Rio Grande do Sul, havia sete povoados dominados por jesuítas espanhóis e índios guaranis. Em contrapartida, ao sul do Uruguai, perto de Montevidéu, havia uma colônia portuguesa, Sacramento. Portanto: em terra portuguesa, possessão espanhola; em terra espanhola, possessão portuguesa. Para resolver esta improbidade territorial, fez-se, em 1750, o chamado Tratado de Madri. De acordo com seus dispositivos, Portugal deveria entregar a Colônia do Sacramento aos espanhóis e deles receber os Sete Povos das Missões. Havia lá, no entanto, 30.000 índios e 72 jesuítas. E quando Gomes Freire de Andrade, comissário português encarregado da demarcação de limites, se aproxima da localidade, os índios, sob orientação jesuítica, atacam-no. O chefe português recua e se comunica com Espanha. De lá vêm reforços e, sob o comando de Gomes Freire, o exército luso-espanhol dizima os índios.


Basílio da Gama nasceu em Tiradentes, Minas Gerais, em 1740 e faleceu em Lisboa, Portugal, em 1795. Estudou em colégio jesuíta, no Rio de Janeiro, e tinha intenção de ingressar na carreira eclesiástica. Completou os estudos em Portugal e na Itália, no período em que os jesuítas foram expulsos dos domínios portugueses. Na Itália, Basílio construiu uma carreira literária, tendo conseguido uma façanha única entre os brasileiros da época: ingressar na Arcádia Romana, na qual assumiu o pseudônimo de Termindo Sipílio.


Em 1767 voltou ao Rio de Janeiro, onde foi preso no ano seguinte, acusado de ter amizade com os jesuítas. De acordo com um decreto então em vigor, qualquer pessoa que mantivesse comunicação com os jesuítas, oral ou escrita, deveria ficar exilada durante oito anos, em Angola. Preso, Basílio da Gama foi levado a Lisboa. Lá, livrou-se da prisão por dedicar um Epitalâmio (poema que celebra o casamento de alguém) em homenagem à filha do Marquês de Pombal, primeiro-ministro de D. José I.


Epitalâmio (fragmento)


Eu não verei passar teus doces anos,

Alma de amor e de piedade cheia;

Esperam-me os desertos africanos,

Áspera, inculta a monstruosa areia.

..........................................................

Que siga os passos e o paterno exemplo,

E se deixe guiar da sua estrela,

Que de fortes leões leões se geram,

Nem os filhos das águas degeneram.


Está mais que claro o objetivo de elogiar filha (Maria Amália) e pai poderoso para se ver livre da punição que lhe impusera. A primeira estrofe do poema acima faz referência ao exílio na África, a que seria submetido se Pombal não o perdoasse. Essa amizade lhe abriu novos contatos com os árcades portugueses e um belo emprego público na Secretaria dos Negócios Estrangeiros.


O Uruguai foi escrito em decassílabos brancos (isto é, sem rimas), com estrofação livre, e é composto de cinco cantos (ao invés dos dez cantos de Os Lusíadas); percebe-se nele claramente uma crítica do autor à atuação dos jesuítas, que são caricaturados na figura do padre Balda. Obra feita para agradar ao Marquês de Pombal (ministro do rei D. José I, defensor de ideias iluministas, responsável pela expulsão dos jesuítas não só do Brasil, mas também de todo reino português), este poema coloca os jesuítas como vilões e os índios como heróis ingênuos, isto é, manipulados pelos padres, mas cheios de grandeza.


A narrativa é entremeada pelas visões de Lindóia: grandes feitos de Pombal reconstruindo Lisboa destruída por um terremoto e expulsando o reino os jesuítas. Embora o tema fosse um capítulo da longa resistência indígena em nosso território, ele foi explorado com objetivo laudatório (que encerra louvor) e político. Culpando os jesuítas por incitar os índios à guerra, ele se punha ao lado dos colonizadores. Tem, contudo, momentos brilhantes, descrevendo o índio como grande guerreiro e apresentando nossa exuberante paisagem.


Embora apresente a divisão tradicional em preposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo, quebra essa estrutura ao iniciar o poema pela narração:


´´Fumam ainda nas desertas praias

Lagos de sangue tépidos, e impuros,

Em que ondeiam cadáveres despidos,

Pasto de corvos. Dura inda nos vales

O rouco som da irada artilharia.``


Diferentemente do que ocorre nas epopéias tradicionais, a invocação e a proposição (assunto do poema) eclodir-se-ão somente a partir do sexto verso:


´´MUSA, honremos o Herói que o povo rude

Subjugou do Uraguai, e no seu sangue

Dos decretos reais lavou a afronta

Ai tanto custas, ambição de império!``


E a dedicatória do décimo ao vigésimo verso:


´´E Vós, por quem O Maranhão pendura

Rotas cadeias e grilhões pesados.

Herói e irmão de heróis, saudosa e triste

Se ao longe a vossa América vos lembra,

Protegei os meus versos. Possa entanto

Acostumar ao vôo as novas asas

Em que um dia vos leve. Desta sorte

Medrosa deixa o ninho a vez primeira

Águia, que depois foge à humilde terra

E vai ver de mais perto no ar vazio

O espaço azul, onde não chega o raio.``


O Uruguai foi dedicado ao “Ilmo. e Exmo. Sr.Francisco Xavier de Mendonça Furtado”, mas o livro curiosamente se inicia com um soneto dedicado ao seu irmão, o Marquês de Pombal.


As principais personagens de "O Uraguai" são: o padre Balda (administrador de Sete Povos das Missões), o vilão, jesuíta devidamente caricaturado, que tem um filho sacrílego, Baldeta; a heroína Lindóia; o português Gomes Freire de Andrade (chefe das tropas portuguesas) e os indígenas Cepé, Cacambo e Tatu-Guaçu, Caitutu (irmão de Lindóia) e Tanajura (indígena feiticeira), a vidente. Esse poema levou Basílio da Gama a ser membro da Academia Real das Ciências de Lisboa.


A luta travada por portugueses e espanhóis contra índios e jesuítas é narrada por Basílio da Gama desde os preparativos até a conclusão. Os cantos apresentam esta sequência de fatos:


Canto I: descrição da formação das tropas aliadas e da resistência dos padres.


Canto II: As tropas aliadas avançam contra o inimigo. Diálogo entre os caciques Cepé e Cacambo e o herói Gomes Freire de Andrade, à margem do rio Uruguai, tornando-se nítida a diferença de cultura entre o indígena e o civilizado. O acordo é impossível porque os jesuítas portugueses se negavam a aceitar a nacionalidade espanhola. Ocorre então o combate entre os índios e as tropas luso-espanholas. Os índios lutam valentemente, mas são vencidos pelas armas de fogo dos europeus. Cepé morre em combate. Cacambo comanda a retirada.


Canto III: O General acampa às margens de um rio. Do outro lado, Cacambo descansa e sonha com o espírito de Cepê. Este o incita a incendiar o acampamento inimigo. Cacambo atravessa o rio e provoca o incêndio. Depois, regressa para a sede. Surge Lindóia. A mando de Balda, prendem Cacambo e o matam por envenenamento. Balda é o vilão da história, que deseja tornar seu filho Baldeta, cacique, em lugar de Cacambo. Observa-se aqui uma forte crítica aos jesuítas. Tanajura propicia visões a Lindóia: a índia “vê” o terremoto de Lisboa, a reconstituição da cidade pelo Marquês de Pombal e a expulsão dos jesuítas. Também lhe é revelada a morte de Cacambo, o que causa profunda comoção.


Canto IV: Descreve o avanço das tropas aliadas e a preparação do casamento de Baldeta e Lindóia. A índia prefere a morte. Suicida-se, deixando-se picar por uma serpente venenosa pela fidelidade amorosa a Cacambo e para fugir da desonra. Sabendo da aproximação das forças aliadas, os indígenas abandonaram o aldeamento, ateando-lhe fogo. O exército entra no templo.


Canto V: Descrição do Templo. Perseguição aos índios. Prisão de Balda. O poeta dá por encerrada a tarefa e despede-se. Expressa suas opiniões a respeito dos jesuítas, colocando-os como responsáveis pelo massacre dos índios pelas tropas luso-espanholas. Eram opiniões que agradavam ao Marquês de Pombal, o todo-poderoso ministro de D. José I. Nesse mesmo canto ainda aparece a homenagem ao general Gomes Freire de Andrade que respeita e protege os índios sobreviventes.


O trecho mais famoso desse poema é A morte da índia Lindóia, no Canto IV, uma espécie de pausa lírica no movimento narrativo da epopéia. . De todas as heroínas épicas, que foram mortas por amor, na linha de Inês de Castro, só a ela, por antecipação, a morte lhe roubara o ser amado. Em função disso, a indígena preferiu morrer, deixando-se picar por uma serpente, a casar-se com o inimigo:


´´Parte de antigo bosque, escuro, e negro,

Onde ao pé de uma lapa cavernosa

Cobre uma rouca fonte, que murmura,

Curva latada de jasmins, e rosas.

Este lugar delicioso, e triste,

Cansada de viver, tinha escolhido

Para morrer a mísera Lindóia.

Lá reclinada, como que dormia,

Na branda relva, e nas mimosas flores,

Tinha a face na mão, e a mão no tronco

De um fúnebre cipreste, que espalhava

Melancólica sombra. Mais de perto

Descobrem que se enrola no seu corpo

Verde serpente, e lhe passeia, e cinge

Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.``


Há, nos versos acima apresentados, ao lado da adjetivação elegíaca (observar a anteposição do adjetivo: hipérbato), a sugerir sempre a presença da morte (escuro, negro, cavernoso, triste, fúnebre, melancólico), antíteses, harmoniosas e sugestivas (morrer, contrastando com cansada de viver).A impressão de horror diante do trágico pelos polissíndetos com efeito acumulativo confere dignidade e beleza a esse texto de grandeza comovedora. Embora haja o envolvimento de Lindóia com a natureza, é preciso observar que esta difere do ambiente bucólico árcade. No fragmento em estudo, percebe-se a existência de uma natureza sombria, triste e escura; para os árcades a natureza é campestre, simples e pastoril.


´´Fogem de a ver assim, sobressaltados,

E param cheios de temor ao longe;

E nem se atrevem a chamá-la, e temem

Que desperte assustada, e irrite o monstro,

E fuja, e quem apresse no fugir a mortes

Porém o destro Caitutu, que treme

Do perigo da irmã, sem mais demora

Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes

Soltar o tiro, e vacilou três vezes

Entre a ira e o temor. Enfim sacode

O arco faz voar a aguda seta,

Que toca o peito da Lindóia, e fere

A serpente na testa, e a boca e os dentes

Deixou cravados no vizinho tronco.

Açouta o campo côa ligeira cauda

O irado monstro, e em tortuosos giros

Se enrosca no cipreste, e verte envolto

Em negro sangue o lívido veneno.``


E tão nobre é a sua condição humana, que o irmão dela (Caitutu, chefe guerreiro), numa figura clássica, três vezes vacila entre a ira e o temor, para afinal vibrar a seta que vai deixar no tronco vizinho a boca e os dentes da serpente, sem tocar o peito da irmã. Mas ela já estava morta, sendo esta a novidade surpreendente do episódio.


´´Leva nos braços a infeliz Lindóia

O desgraçado irmão, que ao despertá-la

Conhece, com que dor! no frio rosto

Os sinais do veneno, e vê ferido

Pelo dente sutil o brando peito.

Os olhos, em que Amor reinava, um dia,

Cheios de morte; e muda aquela língua,

Que ao surdo vento, aos ecos tantas vezes

Cotou a larga história de seus males.

Nos olhos Caitutú não sofre o pranto,

E rompe em profundíssimos suspiros,

Lendo na testa da fronteira gruta

De sua mão já trêmula gravado

O alheio crime, e a voluntária morte.

E por todas as partes repetido

O suspirado nome de Cacambo.

Inda conserva o pálido semblante

Um não sei quê de magoado, e triste,

Que os corações mais duros enternece.

Tanto era bela no seu rosto a morte!``


O trecho dado é o segmento final do episódio do suicídio de Lindóia. Como se vê, há a ideologia subjacente do ´´bom selvagem`` (´´O homem nasce bom. A sociedade o corrompe``, de Rousseau) e a idealização da mulher e da pureza de seu amor. Os jesuítas são os vilões em O Uruguai. Essa exaltação do amor, que leva a atitudes extremas como a morte, o morrer de e por amor, pode ser considerada uma característica pré-romântica no poema de Basílio da Gama. . O verso final: ´´Tanto era bela no seu rosto a morte``, exprimindo a beleza da heroína, mesmo depois de morta, é um dos mais expressivos do poema.