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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Vidas Secas - Graciliano Ramos



Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo (AL), em 1892, e morreu no Rio de Janeiro, em 1953. Filho de comerciante, passou parte de sua infância em Viçosa e Palmeira dos Índios, em Alagoas, e Buíque, em Pernambuco. Trabalhando na loja do pai, iniciou-se na literatura. Não cursou nenhuma faculdade. Aventurou-se no Rio de Janeiro em 1914-15 como revisor do Correio da Manhã e de A Tarde. Voltou para Palmeira dos Índios, continuando no comércio e dedicando-se ao jornalismo local. Em 1928, foi eleito prefeito desta mesma cidade, renunciando à Prefeitura em 1930. Mudou-se, então, para Maceió, onde foi nomeado diretor da Imprensa Oficial. Teve contato com romancistas famosos como José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Valdemar Cavalcanti.

Depois de muita atividade política e pregação ideológica, foi preso como subversivo, em 1936. Dessa experiência nasceu o contundente Memórias do Cárcere (1953), livro que por sua densidade dramática e retrato percuciente da situação e dos protagonistas, aproxima-se das Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoievski. Em 1945, ingressou no Partido Comunista Brasileiro e viajou para a Europa. Viveu parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde atuou como jornalista e professor. Entre suas principais obras, encontram-se também Caetés (1933); São Bernardo (1934); Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).

A escrita de Graciliano Ramos é marcada por uma intensa contenção narrativa. Em seus textos, a palavra é precisa, não há sobras. Raramente o autor usa adjetivos, eles só aparecem quando se fazem necessários na matéria narrada, jamais para enfeitar o texto ou construir uma descrição poética. A beleza de sua escrita está justamente na precisão: a palavra aguda que denuncia a opressão e a dor que atingem o ser humano. Coerente com essa denúncia, os romances de Graciliano não apresentam finais felizes: eles só seriam possíveis numa sociedade transformada. A função do autor, nesse contexto, é conscientizar o leitor do que precisa ser revisto em termos sociais e não oferecer a ele uma sensação ilusória com um final improvável.

Vidas Secas é, no conjunto da obra de Graciliano Ramos, um livro singular em diferentes aspectos: é o único romance desse autor com foco narrativo em 3ª pessoa; não foi planejado como romance: nasceu de um conto, “Baleia”; seus capítulos foram escritos fora da ordem que receberam na edição final; não apresenta um aprofundamento da análise psicológica das personagens, como acontece em São Bernardo e Angústia.

O centro de interesse é uma família de nordestinos que sofre as consequências da seca. O caráter precário da vida decorre exatamente do nomadismo com que ela é marcada. O livro, por isso, começa com um capítulo intitulado “Mudança” e encerra como outro, denominado “Fuga”. Entre ambos, ecoa-se a vida do vaqueiro Fabiano, de sua mulher (sinhá Vitória), de dois meninos e da cachorrinha Baleia.

A ausência de diálogos, assim como a incapacidade das personagens em raciocinar – limitando-se a registrar a agressão que recebem do mundo, físico e social –, constituem o importantíssimo recurso de que se utiliza o romancista para deflagrar na mente do leitor o agreste quadro em que se movem essas marionetes. Estão apenas ligados pelos frágeis cordões que o fatalismo dirige: o fatalismo do meio e o da estrutura social, onde o patrão ou o patriarca dispõe da vida desses... bichos, no próprio dizer de Fabiano.

[...]
 - Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

[...] E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar as coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e o cabelo ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho. Capaz de vencer dificuldades. [...]


A animalização das personagens se manifesta de diversas formas nesse romance: as crianças não chegam a ser nomeadas (são referidas como “menino mais novo” e “menino mais velho”); como acontece com os animais, seu comportamento é determinado pela necessidade de sobreviver a um espaço inóspito.


A crueldade do contexto figurado por Graciliano é tão intensa que reflete a plena consciência de seu depoimento sobre a obra: “as personagens adultas, preocupadas com o estômago, não têm tempo de abraçar-se”.

Ao longo deste romance (13 capítulos), é muito comum as vozes do narrador e das personagens se confundirem, através do discurso indireto livre, um dos mais importantes recursos narrativos de Graciliano Ramos, cuja linguagem despojada de retórica, de verbalismos, parece se alojar no interior das personagens, fundindo homem e paisagem, ação e processos mentais, com extrema adesão aos temas sobre os quais escreveu.

Como o próprio nome sugere, o discurso indireto livre apresenta características mistas, pois a fala da personagem ou trechos dela intercalam-se sutilmente no discurso indireto, por meio do qual o autor narra os episódios.

Sem o acúmulo dos conectivos frequentes no discurso indireto puro e sem a presença constante do verbo dicendi claro ou elíptico, o discurso indireto livre propicia à narrativa um ritmo fluente, um tom mais artisticamente trabalhado. É o tipo de técnica preferida dos escritores para relatar monólogos interiores, nas narrativas em que a consciência flui no ir e vir da memória.

Resumindo, no discurso indireto livre, o narrador ao invés de apresentar a personagem em sua própria voz, discurso direto, ou de informar de modo objetivo o ouvinte sobre o que ela teria dito, discurso indireto, aproxima narrador e personagem de tal forma, que temos a impressão de que ambos são um só narrador. É uma forma de discurso que traz certa ambiguidade, sendo difícil separar narrador e personagem:

“Sinhá Vitória falou assim, mas Fabiano resmungou, franziu a testa, achando a frase extravagante. Aves matarem bois e cabras, que lembrança! Olhou a mulher, desconfiado, julgou que ela estivesse tresvariando. Foi sentar-se no banco do copiar, examinou o céu limpo, cheio de claridade de mau agouro, que a sombra das arribações cortava. Um bicho de penas matar o gado! Provavelmente sinhá Vitória não estava regulando.”


No início da narrativa, Fabiano, sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorrinha Baleia procuram um lugar melhor para viver. Após longa caminhada pela caatinga, chegam a uma fazenda abandonada, onde resolvem se instalar.

Quando volta o período das secas, a família abandona a fazenda e recomeça suas andanças. Fabiano e Sinhá Vitória, de olhos no futuro, mantêm ainda uma remota esperança de que as coisas talvez melhorem e seus filhos não precisem passar pelo que estão passando:

“Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de sinhá Vitória, as palavras que sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho.”



A aridez do cenário se expande e atinge também o comportamento das personagens, caracterizadas por falas monossilábicas e gestos voltados para a sobrevivência imediata (comunicam-se parcamente, não conseguem expressar por meio de palavras a riqueza interior que possuem). Essa imagem do silêncio é apontada como uma qualidade ímpar do romance pelo crítico Antonio Candido:
  
Em Vidas Secas, o narrador constrói um discurso poderoso a partir de personagens incapazes de falar, devido à rusticidade extrema, para os quais o narrador elabora uma linguagem virtual a partir do silêncio. Como diz Lúcia Miguel Pereira, trata-se de “romance mudo como um filme de Carlitos”. Esta nova imagem aprofunda a visão crítica sobre o livro, assinalando a força criadora de um estilo parcimonioso que parece estar no limite da expressão possível – em contraste com a caudalosa falação de tantos romances daquela hora. Do mesmo modo, pouco antes, em Tempos modernos, Chaplin tentara manter a força da imagem silenciosa em meio à orgia de sonoridade do cinema falado.

Ao lado de temas que podem ser considerados mais regionais, como o martírio da seca, a obra de Graciliano Ramos permite ao leitor acompanhar dramas universais do homem: a animalização do ser humano diante dos limites que se impõem à sua sobrevivência, a luta cotidiana entre o sonho e a dura realidade, a necessidade de questionar as arbitrariedades dos poderosos, a resistência contra ações e palavras violentas, a solidão do homem diante de uma estrutura capitalista em que o ser humano se coisifica. Desse modo, o questionamento do meio natural vem, na obra de Graciliano Ramos, sempre acompanhado do questionamento do meio social.